sábado, 17 de outubro de 2009

LITORAL FM - 12 de OUTUBRO de 2009 (com RAQUEL PELLEGRINI)



ALFREDO MONTE, CECÍLIA LOPES, MARCELO ROSENDO, RAQUEL PELLEGRINI, CHICO MARQUES

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ENCAIXOTANDO OS BEATLES OUTRA VEZ (por Chico Marques)


Não sou fã dos Beatles. Nunca fui, exatamente. Admiro Paul McCartney, e é só. Mesmo assim, ouvi muito, ao longo dos meus 49 anos, todos os discos dos 4 de Liverpool. Lembro bem que os LPs originais da Capitol americana e da EMI Parlophone inglesa e alemã tinham um som espetacular, de uma clareza extraordinária. Mas então, em 1987, resolveram digitalizar esses LPs originais, e o áudio ficou extremamente comprimido e sem presença. Um desastre. Todo mundo reclamou na ocasião. Só agora, 22 anos depois, isso foi consertado, com as recém-lançadas caixas de CDs "Stereo" e "Mono", onde finalmente a clareza original dos fonogramas analógicos consegue ser "compreendida" pelos sistemas digitais. E o resultado final é muito satisfatório, semelhante ao dos LPs originais. Daí, eu pergunto: Faz sentido ter dado uma volta tão grande e tão demorada para, no final das contas, cair de volta (mais ou menos) no ponto de partida dessa história toda?


O mesmo argumento vale para a indústria editorial em relação aos Beatles. Nunca uma banda foi alvo de tantos livros e tantos estudos, biográficos ou não -- que, diga-se de passagem, sempre tiveram editor garantido e público certo. Mas, de dois anos para cá, a quantidade de livros sobre os Beatles disponíveis nas prateleiras das livrarias aumentou drasticamente, e não pára de crescer. E as edições ficaram cada vez mais caras e luxuosas. E as revelações sobre a vida privada dos 4 de Liverpool ganharam tons fortes, e, quando não são picantes, são invariavelmente embaraçosas, a ponto daquela famosa (e infame) biografia de Albert Goldman sobre John Lennon, publicada logo após sua morte, parecer inofensiva no contexto atual. Eu pergunto: faz sentido continuar investigando de forma tão implacável oito anos na vida de quatro garotos suburbanos que, de uma hora para outra, viraram ícones mundiais, mas, no fundo (com a provável excessão de John Lennon), só queriam ter direito a um pouco de privacidade e uma vida familiar reservada?


A resposta para as duas perguntas é a mesma: não. É muito pão para pouco recheio. Só os desvios causados por anos e anos de Beatlemania justificam todos esses excessos.

É compreensível que Paul McCartney e Ringo Starr, e também os herdeiros de John Lennon e George Harrison, queiram fazer com que a Indústria dos Beatles rentabilize bem ano após ano, e com isso garanta um futuro muito tranquilo para todos os envolvidos. Se essa indústria não cansa de reinventar os mesmos produtos de tempos em tempos, é porque certamente existe demanda para isso. No entanto, me parece uma ilusão achar que uma nova legião de beatlemaníacos surge a cada novo relançamento de discos originais. Pesquisas indicam que quem realmente abastece essa indústria são os beatlemaníacos habituais. Claro que sempre surgem alguns novos admiradores, que ficam encantados com o frescor musical dos inventores do "power pop", mas estes não chegam a formar legiões. A última vez que surgiram em grande quantidade foi em 2000, com o lançamento do antologia "Beatles #1", que foi um enorme sucesso popular.

O caso é que a mitologia Beatle, calcada em questões comportamentais típicas dos anos 60 e 70, não possui poder de fogo para seduzir um garoto de 15 anos nos dias de hoje. O mundo mudou muito. Fazer parte de uma banda de rock hoje em dia é algo totalmente prosaico, sem grandes idealizações, deixou de ser um ideal romântico. Hoje, um fã do Wilco, do REM, ou do Radiohead, troca idéias com os membros da banda através de seus websites. Só o palco o separa de seu artista favorito. Com isso, o próprio conceito da idolatria pop foi colocado em xeque, graças ao fenômeno das redes sociais virtuais, que diminuíram a distância entre "ídolos' e "devotos". Por conta disso, as chances de surgirem novos Mark Chapmans pelas ruas passou a ser quase nula. Lugar de doidinho agora é na web, e olhe lá.


Hoje, com os artistas cada vez mais próximos de seu público, é tudo olho no olho. Paul McCartney por exemplo, tocou recentemente com sua banda em cima da marquise do Ed Sullivan Theater, em Nova York, a convite de Dave Letterman, e promoveu uma grande festa na Avenida Broadway -- justamente o oposto daquele atrapalhado e enigmático (e também elusivo) concerto no telhado de Apple Records, em 1969, voltado para os umbigos dos quatro Beatles, que mal se entreolhavam enquanto tocavam. Quer melhor sinal de que os tempos mudaram (para muito melhor) do que este?

O que eu acho mais curioso nos Beatles é a dificuldade dos executivos que trabalham para eles em criar um marketing específico para o grupo. Seus quatro integrantes possuem apelos de público muito antagônicos, que se anulam com alguma frequência, dificultando estratégias de marketing que englobem os quatro integrantes da banda. John Lennon, o grande ícone rebelde, brutalmente assassinado em 1980, perde facilmente seu apelo como mártir do rock and roll diante da delicadeza espiritual de George Harrison ao aceitar sua morte anunciada de forma serena e introspectiva em 2002. E, como se isso não bastasse, Paul McCartney e Ringo Starr insistem em continuar vivos, ativos e criativos. Se ao menos eles se aposentassem, tudo ficaria mais fácil para os marquetólogos de plantão. Mas eles não qurem. Nem pensam nisso. Ainda bem.

Quanto ao sucesso das reedições (numeradas, caríssimas) dos Beatles nas caixas "Mono" & "Stereo", tudo isso só se justifica por conta desses vinte anos de jejum beatlemaníaco desde aquelas medonhas edições em CD de 1987. Mas é bom lembrar que essas novas edições que acabam de chegar ao mercado não são "remixagens". São "remasters" digitais de mixes analógicos originais da época. Quem quiser "remixagens" de verdade, ainda vai ter que esperar até, pelo menos, 2012, quando os Beatles completam 50 anos do lançamento de seu primeiro disco, "Please Please Me". Aí sim, deve ter início mais uma temporada de reedições de todos os discos da banda, mais uma vez, com novíssimas restaurações sonoras.

Ou seja: quem disse "all things must pass" com certeza nem sonhou com o que viria pela frente.

LITORAL FM - 5 de OUTUBRO de 2009 (com GIBA PAIVA MAGALHÃES)



CHICO MARQUES, ALFREDO MONTE, CLÁUDIA CHELOTTI, GIBA PAIVA MAGALHÃES, MARCELO ROSENDO

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

LITORAL FM - 28 de SETEMBRO de 2009 (com TAMMY WEISS)



MARCELO ROSENDO, TAMMY WEISS, CLÁUDIA CHELLOTI, CHICO MARQUES, ALFREDO MONTE.

LITORAL FM - 21 de SETEMBRO de 2009 (com RODRIGO AZEVEDO)



MARCELO ROSENDO, RODRIGO AZEVEDO, CLAUDIA CHELLOTI, ALFREDO MONTE, CHICO MARQUES

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

LITORAL FM - 14 de SETEMBRO de 2009 (com CLÁUDIA CHELLOTI)



CHICO MARQUES, ALFREDO MONTE, CLÁUDIA CHELLOTI, MARCELO ROSENDO

LITORAL FM - 7 de SETEMBRO de 2009 (com ALFREDO MONTE)



MARCELO ROSENDO, CECÍLIA LOPES, CHICO MARQUES & ALFREDO MONTE

LITORAL FM - 31 de AGOSTO de 2009 (com MAURÍCIO ADINOLFI)



MAURÍCIO ADINOLFI, CECÍLIA LOPES, MARCELO ROSENDO & CHICO MARQUES

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

LITORAL FM - 24 de AGOSTO de 2009 (com ADEMIR DEMARCHI)



Flávio Amoreira, Ademir Demarchi, Cecília Lopes, Marcelo Rosendo, Chico Marques

LITORAL FM - 17 de AGOSTO de 2009 (com MARCOS PIFFER)



Chico Marques, Flávio Amoreira, Marcelo Rosendo, Cecília Lopes e Marcos Piffer

ÚLTIMOS DE SODOMA (por Flávio Viegas Amoreira)


 
‘’ nenhum habitante até onda avista: a mulher espreitava e nua em pelo nos queria: mal nenhum podia abater naquele instante fora do tempo: faziamos
algo sem fruto no roçar da epiderme;- negamos o mundo omitindo o que fosse perpetuidade: as janelas esbatiam, a água cedia e alguns cumes secos podiam ser pressentidos , os dois amavamos, não! torcíamos para que não fossemos tragados até derradeira aurora; a mulher foi por nós negada: fazia pena com suas estórias, satisfazia seu gosto com instrumento próprio que lhe cabia:
o mundo tornava ser dois homens copulando sem malícia.’’
 
´´Aquela noite ficara como inseto afixado num âmbar: minha memória engatinha no sentido amplo dos detalhes: basta uma noite venturoso tendo o mar como leito para desdobrar-se toda estória duma vida: ele nu me chamando na praia escura foi a visão que delineei do paraíso terrestre; o som da cidade esbatia, sotavento, enquanto me desnudava tendo garantido o monte onde aprumava incerta minha roupa; voltei ao instante da partida com meu homem mais adentro das ondas; senti-me seguro para restituir plano terrestre a feitura dos anjos: magma vulcânico esfriado, rio caudaloso, maresia nos meus poros entranhando a alma de esperma caudaloso do oceano burbulhando em torvelinho. Amei meu homem naquele balneário pré-carnavalesco;
verão , e senti enorme poder de meu desejo sem mais esporas.
Nenhum adjetivo retêm o sabor de nossa substância: fomos gregos, nossos membros se encontraram, senti a naja perpassar como navalha a dorsal espera de meses daquela ausência: a penetração é como um parto avesso. O sentido do corpo é véspera da irremediável lembrança: tenho teu sorriso como referência e a hora da confissão de amor que só dita por êxtase e nele a verdade faz-se também gozo do teu membro. Teu corpo agora passado é maior que a substância daquele instinto: esquadro um holograma aéreo e vejo-te em todos lugares depois pousas-te num átimo o arpão nesse peixe sedento que era esvoaçando no prazer que ia-se me rasgando. Havia micrologias, pequenos hiatos em nosso envolvimento, retive-os todos desde o parapeito ‘a rebentação no precipício ‘as espumas entre teu feixe pubiano: a felação é sagrada como a tentativa do pensamento. Quando juntos faço um Vida, tira a ilusão de outro contato: em ti todos os homens tem um pedaço e formo o primordial. Tuas formas que obedecem as funções inauditas que só eu em minha sodomização claudicante sou capaz de refazer como quem interpõem anarquia no reino obviedade. Macerado, compungido, entra-me e vou permitindo em minhas vísceras  possibilidades de ejaculação recíproca: agora que permanecido dentro de mim, sem o trauma do espetacular transpasse. Enleado, assim te retenho: tirei-te do útero, corporifiquei a anti-vulva: sou um corpo que se estilhaça para que te componhas em conjuntura. Faltava-me o que desconheço, o que não se teve consciência : agora a crônica do Tempo era feito de nosso ajuntamento.
Concentração, seleção: encavernamos. O que sucede, o que passa , todo foi deixado na funcionalidade matriarcal dos lares: sou um lago puto onde passeias, onde bordas. Desabrocho, rasgas-te a rosa e entronizo uma só cor da
carnatura reajuntada das pétalas. Conto a não-presença, nunca a distância:
deixas-te a dor como saudade da alegria. Nunca desisti de teu significado , não te nomeio Amor: você é o que carrego sem sossego, a fenomenologia do meu trajeto desperto. Como meus pés sugados no Oceano, fiz-me esponja: traguei-te.
Turbilhão que suporto, feixe que apascento, homem que digita-se  na minha costela tornado Adão indivizível. Quando estava em mim delimitei todo espaço do universo em minhas coxas conformadas em dramática certeza. Quando puses-te-me em mim implodimos o gênese: refizemos o éden. Que me invente de novo , dissipação que nos define , somos ferozes tolos num céu adejando sem trâmites: depois do fórceps través da ossatura que se moldava ao teu abraço carcomendo minhas defesas em desequelíbrio. Aquela vista da janela soma todos os quadros pontilhados , indescobertos. Não cheguei ver o Mar totalmente por ser essa impossibilidade: o Mar que foi sempre cúmplice e estímulo dos marinheiros, amantes clandestinos e pederastas naufragados. Tomei de ti aroma sem zelo, era-me mais próximo que família e amigos: sou teu amante dito no masculino, e no masculino amante! Fica termo virilizado, forte como um mastro com resquícios de escamas. Cerzido por todas as horas e temperamentos: deixei que a pele desse-te guarida; moras-te em mim num arranque do teu peito contra meus costados vulneráveis ao teu pouso. Rompe abóbada celeste e iluminas de galáxias meu sol escurecido em gelo: escrevi o poema para tua voz e tua sombra; a idéia de segredo é nosso sono passageiro. Desejar teu murmúrio e escolher o teu sonho. Insaciável espera por teu flagrante. Porque não mais desencanto de existir e do dons da quimera:
nunca terá fim o que nomeei pela língua: tua glande, teus pêlos ruivos, tua boca que não fugia do tanto sentimento que te punhas. Teus dedos me apontando a infinidade de carícias: teu rosto que aprecio amaciado no infortúnio de todas tuas defesas ao amor de outro homem que se faz teu corpo de tanto que te desejas. Em ti nenhum fluído é interdito: nada repugna, fascínio tuas marcas e primeiros fios brancos que dizem de nossa ancestral afeição e maturidade compartilhada. O sentimento profundo enobrece, isola; há um púlpito invisível quando do nosso enlace. O tempo vela nossa geologia compartida. A grande falta é dizer-me , falar-me por ti; tudo é convicção do retorno: nada como ultrapasse o liame que nos rompe o nexo. Realidade , flor murcha dum jardim ausente. Quem dera fosse todo Universo a primavera dum tronco oco, advento dum animal estranho adentrando o espetáculo como fera e enternecido quisesse fazer amor toda esfera. Anulamos a discórdia : discórdia dos corpos :
nossos poros não estranhos ao firmamento.   ´´
 
´´A infindável distância / a irascível / irreverssível disposição / desproporção / nunca te pedem ódio por serem complacentes demais com tua estupidez .
A vez do outro é um dano que engoles / queres ser tu / o detentor da honra /
do acerto / senhor da fatalidade. A vida esticava-se como material sendo polido, coisas esboçadas como a estrela marinha que milimetricamente desprende-se dum castelo de areia : o tosco afinado pelo imperceptível : o corpo do homem era refeito pela minha atenção que punha e minha atenção é seu retoque , realce , sublimidade, remoinho de gosto: quando cingia sua nuca e pescoço
era o ápice dizendo que o Amor chegara as alturas : nosso abraço era um clássico da afeição: nada mais subversivo que a sodomia , irmã epidérmica da Arte: faz-se gozo pelo gozo, imanece, soa grandiosa para o silêncio. Quando me toca , um arpejo : sou Lázaro cada noite onde o Mar nos pega em flagrante delito contra o hábito de escolher flores pára os mesmo vazos.  A experiência e seus labores : nossa almas mais se aproximam do Ideal: totalidade. Nosso jogo é uma álgebra : vamos com a imprecisão de ondas trançando equações ao raciocínio : não é da conta do raciocínio a incerteza das vagas.  Não há amor que chegue para o amor.  Mordisquei, ele me ampara, ainda a estrela do mar ou um junco posto fora ao Mar : o ventre anêmona : a face plácida : sei que o amor mora onde a beleza exclama e diz : da-se em deixa ao murmúrio seco , longe de todo olhar espanto : dá-se em dália ou gomo.  Um mar sem estrelas :  a mulher foi posta fora do nosso Paraíso ;  somos aqueles faróis que se iluminam de ardor e desespero acalentado de sombra e magia. ´´
 
´´Ninguém não dizendo nada . Respeitamos a voz da hora. Torna-se preciso ter-se muito vigor, muito juízo para trazer a vida no equilíbrio de nossos dedos. O corpo ampliado pelos pedidos da Alma nunca torna ao tamanho de origem: vai espargindo suas dobras como carnatura vegetalizada: amando árvores e seixos,
canais lúgubres que se encantam no dobre de sinos do Oceano.  A vida é quando se escolhe o dia ou o jogo.  Que a minha embriaguez não seja esquecimento. Vigil : atento até ao inessencial ainda não encasulado . Estranheza original no crepúsculo : emersão no elementar , só o Mar permite o nada que excede o nexo. Qual sentido dos conhecimentos? Olhares? O saber invertebrado:  a razão que inventa sensações que bem poderiam ser antecipadas com mais propriedade pelos sentidos em sua inteireza de fogo-fátuo. Há uma solidão na aurora como gladiador fragilizado as portas das feras no Coliseu: que ruminou toda madrugada o desespero da carnificina que ao seu termo dilacera todo medo que justifica esse espanto. Os cárceres da imensidão A face do morto nos diz sutilezas insofismáveis .  A beleza do homem e do Mar são antídotos contra o vazio que sucede a expansão oca das galáxias. Estou trepando com Deus ultimamente : escrever é parir buracos negros. Dois homens nus na madrugada do Universo.´´

terça-feira, 11 de agosto de 2009

LITORAL FM - 10 de AGOSTO de 2009 (com MARCELLO LARANJA)


Marcello Laranja, Chico Marques, Cecília Lopes, Marcelo Rosendo, Flávio Viegas Amoreira









Foto: Inês Dupetit

Flashes variados do nosso programa com Marcello Laranja (por Inês Dupetit)

























Cultura em Foco (por Flávio Viegas Amoreira, publicado originalmente no website Cronópios)


‘’Ir a lugares, ver pessoas, fazer coisas’’

Assim define o diretor americano Martin Scorsese o conceito de felicidade;- Andy Warhol era mais flavescamente otimista ao dizer : ‘’Eu gosto de gostar das coisas’. Vivemos a transmodernidade, vidas em transe, hipersensibilidade onde as pessoas se distinguem e vencem o niilismo ou a barbárie com ‘’interesse’’ : vontade, desejo, curiosidade visceral:

o que denomino tesão da Alma. Cultura é o conceito mais abrangente para definir espírito humano em busca, rastreando, obsessivamente plugado: a leitura, as artes visuais, a videoesfera, o mundo virtual, a boêmia resgatada, a troca de idéias mais disparatadas possíveis para a era do disparate são alguns tópicos disso denominado Cultura: cultura do desejo, cultura da noite, cultura de lançar pontes entre pessoas, sair do insulamento, formarmos arquipélagos de comunidades e tribos urbanas que não se tornem isoladas, estanques , mas conversem em idiomas infinitos convergindo para a mais intrincada, complexa, mas gozoza Cultura: a Cultura da convivência. O homem interessado, cultivado, antenado, entendido e desencanado de preconceitos que excluam qualquer Cultura genuína é aquele capaz de orgasmos múltiplos ao ouvir jazz, erudito, hip-hop, amanhecer embriagado de Mozart ou Amy Winehouse, como quem percorre o Louvre através da internet ou contempla o mar belo mar selvagem de Santos, Barcelona vivendo como quem vence a morte em exercício da celebração cotidiana da existência: artistas e intelectuais não representam uma casta: são apenas personagens mais sensibilizados pelo milagre de vencer o absurdo e angústia do Ser : a poetização da Vida está alcance de todos: basta tornar artístico nosso exercício de viver. ‘’Não existe Arte inacessível, sim público despreparado’’ – dizia Maiakóvsky. A Cultura não é somente a soma de várias atividades, mas um modo de viver. Apesar de vivermos no mundo, carregamos nosso sentimento telúrico como carga genética coletiva: somos marinhos, cosmopolitas por vocação navegante, a metrópole não nos engole por termos uma identidade geográfica e histórica muito peculiar: o litoral paulista, na verdade Santos estendida em 400 quilometros forma uma das regiões mais privilegiadas por ser berço da civilização brasileira, ter lastro sócio-econômico decisivo para economia nacional e agora por vislumbrar uma crise de crescimento que nos desafia re-pensar: que cidade queremos? Como vamos nos inserir diante do ‘’boom’’ energético? Qual o papel do Estado num momento que sepulta o neoliberalismo e exige de novo a participação efetiva da sociedade civil ? O poder público é movido por demandas: e nos últimos anos a arquitetura , patrimônio histórico, manutenção de equipamentos culturais, turismo cultural tornaram-se tema para plataforma de governo que viam Cultura como preocupação elitista ou blá-blá-blá aviadado. Santos é basicamente cidade pronta exigindo recheio, conteúdo e um padrão comportamental condizente com a hipermodernidade:

não podemos amesquinhar nosso destino com mentalidade de estação de águas: é preciso movimento, agito, visibilidade de nossos eventos, um cronograma cultural arrojado, políticas públicas para a Cultura além da jequice bucólica de bondes ou encenações pândegas de Martim Afonso: uma nova geração bate a porta: devemos metropolizar a Cultura: aproveitar nosso potencial com roteiro histórico integrado, com roteiro sacro integrado e com discurso integrado entre a tradição santista para o glamour que perdemos com as possibilidades riquíssimas de renascimento criativo, intelectual, vanguardismo comportamental propiciando mais barulho além do único permitido: do bate-estaca erigindo prédios de gosto duvidoso para quem só tem vocação para a paz dos cemitérios.

O nome é Phillips, Sam Phillips (por Chico Marques)


Quem assistiu ao filme "Johnny & June - Walk The Line", com certeza ficou impressionado com o jeitão despachado e muito afirmativo do dono do pequeno estúdio de Memphis em que Johnny Cash faz sua primeira audição.

Pois ele foi o homem por trás do início de carreira não só de Johnny Cash, mas também de, entre muitos outros, Elvis Presley.

Seu nome: Sam Phillips.

Sam era um produtor de muito renome na cena musical negra americana, responsável por vários artistas de sucesso do elenco da Sun Records.

Foi Sam quem produziu Jackie Brenston e a banda de Ike Turner no compacto "Rocket 88" em 1951 -- para alguns a primeira verdadeira gravação de rock and roll, que acabou não validada pela história por ter sido feita por negros no Sul racista dos EUA.

Foi Sam também quem produziu no mesmo ano "How Many More Years/Moanin' At Midnight", o primeiro disco de Howlin' Wolf, e "Mystery Train", disco clássico de Little Junior Parker.

Em Dezembro de 1952, Sam Phillips montou o Memphis Recording Service, mais conhecido como Sun Studios, num prédio alugado na 706 Union Avenue, em Memphis. A idéia da Sun era produzir discos, tanto para músicos profissionais quanto para amadores dispostos a pagar por uma sessão de gravação e pela prensagem de um disco.

O primeiro lançamento da Sun foi um compacto de 45 rotações de um saxofonista negro chamado Johnny London, que despontou rapidamente para o anonimato. O nome da música era "Drivin' Slow". Um fiasco de vendas na época.

Quando não estava apostado suas fichas em algum jovem artista branco da cena country and western, Sam Phillips voltava suas baterias para artistas negros de rhythm and blues amigos seus, como Howlin' Wolf, James Cotton e B, B, King. Era ousado: tinha brancos e negros em seu elenco, numa época em que isso não era exatamente bem visto, por nenhuma das partes envolvidas. Nos três primeiros anos de atividade, não conseguiu emplacar nenhum artista em nível nacional, e o sucesso de suas produções nunca foi muito expressivo. Se muito, dava para tocar o projeto da gravadora adiante.

Diz a lenda que, um belo dia, um jovem caminhoneiro que queria virar cantor veio bater às portas da Sun Records com suas economias na mão querendo gravar um compacto para dar de presente para sua mãe, e cantou dois números country: "My Happiness" e "That's When Your Heartaches Begin". Esse jovem caminhoneiro, que se chamava Elvis Aaron Presley, era branco mas cantava com uma levada muito semelhante à dos negros que Sam gravava. E então, ele resolveu fazer uma aposta pessoal nele. E... bem, o resto é história.

Sam moldou Elvis, mas tratou de manter sua essência intacta. No entanto, perdeu o controle sobre o sucesso nacional de Elvis, e acabou tendo que vender o seu passe para uma gravadora grande, a RCA, pois não tinha como dar o suporte promocional que era necessário para Elvis naquele momento.

Ou seja, foi obrigado a passar adiante sua galinha dos ovos de ouro, por falta de estrutura como empresário.

Nunca mais cometeria esse erro.

E logo percebeu que haviam muitos outros daquela mesma tribo dando sopa em Memphis: Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Roy Orbison, Johnny Cash, etc.. Contratou a todos, um por um, e ficou rico com o legado musical desses grandes artistas.

Mas o que faz dele uma figura tão importante na cena cultural popular americana foi sua coragem. Os discos que ele lançou na fase de ouro da Sun geravam reações violentas do público conservador do Sul dos Estados Unidos. Basta dizer que os estúdios Sun foram apedrejados diversas vezes na segunda metade dos anos 50. Fazer o que ele fez na época exigia muito mais do que simplesmente oportunismo e visão de mercado. Tinha que ser muito ousado para encarar com galhardia uma situação tão adversa.

Dos anos 70 para cá, Sam Phillips trabalhou eventualmente como produtor de discos -- quase sempre nos antigos Estúdios Sun --, mas procurou concentrar seus esforços dirigindo suas emissoras de rádio no Alabama. Em 1986, foi indicado para o Rock And Roll Hall Of Fame. Em 2001, recebeu todas as honras possíveis e imagináveis no Country Music Hall Of Fame.

Morreu no dia 30 de Julho do 2003, em Memphis, Tennessee, aos 80 anos.

No entanto, de tempos em tempos, ele ressurge das cinzas, como na cinebiografias espetaculares de Jerry Lee Lewis ("Great Balls Of Fire") e de Johnny Cash e June Carter ("Walk The Line").

Podem ter certeza, vai ser difícil para a história da música popular conseguir esquecer Sam Phillips.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

LITORAL FM - 3 de AGOSTO de 2009 (com EDUARDO CALDEIRA e LUÍS FABIANO TEIXEIRA)



Marcelo Rosendo, Luís Fabiano Teixeira, Eduardo Caldeira, Flávio Viegas Amoreira, Cecília Lopes e Chico Marques

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

The Beatles. Causa Mortis: Mau Gerenciamento (por Chico Marques)


Beatlemaníacos em geral tendem a romancear a história dos Beatles. Esquecem que a banda tinha negócios atrapalhados, relações estranhas com sua gravadora, seus empresários e –- mais importante de tudo -– não sabia lidar direito com o ‘big business’ emergente dos anos 60. Então, na hora de tentar analisar o porque dos Beatles terem encerrado as atividades em 1970, eles sempre preferem buscar explicações em questões pessoais, colocando a culpa em Yoko Ono, Linda Eastman, Allen Klein ou em outros que faziam parte da corte dos rapazes.

Em entrevista recente ao programa da CBS-TV "Late Show with Dave Letterman", Paul McCartney assumiu publicamente que os Beatles começaram a acabar em 6 de fevereiro de 1967, quando cometeram o maior erro comercial de suas carreiras, fechando um contrato que os manteve atrelados à EMI Records até 1976. Na época, parecia um bom negócio. Eles ganhariam direito a montar um selo próprio e poderiam administrar a carreira da banda como quisessem, com autonomia artística total. Nascia a lendária (e perdulária) Apple Records.

Os executivos escolhidos para a gravadora eram todos amigos pessoais dos quatro. Começaram a apostar em artistas novos -– James Taylor, Jackie Lomax, Badfinger -– e gastaram pequenas fortunas promovendo discos que renderam muito menos que o esperado. Foi quando a Apple começou a afundar em dívidas com a EMI, grupo ao qual os Beatles estavam atrelados, dando início a uma queda de braço complicada entre as duas empresas. E a Apple, claro, levou a pior. Faliu. Foi incorporada pela EMI. Daí por diante, o contrato de exclusividade assinado por eles em 1967 virou uma espécie de prisão domiciliar.

O empresário Allen Klein entrou na história em 1969 como negociador para tentar interceder a favor deles com a EMI. Mas não deu certo. Foi quando os quatro resolveram investir contra a própria banda para tentar virar o jogo, obrigando a EMI a reavaliar o contrato. Começaram a plantar fofocas na imprensa dizendo que os Beatles estavam se dissolvendo, entre outras coisas. Curiosamente, a EMI não cedeu às pressões, deixou a banda se afogar sozinha em sua estratégia de intimidição totalmente furada, e ainda os obrigou a permanecer gravando discos solo para a Apple por mais seis anos.

Só em 1976 eles finalmente ganharam autonomia gerencial. Paul McCartney assinou o contrato mais lucrativo da história na época, com a Capitol. George Harrison seguiu para a Warner Bros. Ringo Starr se acertou com a Atlantic, e John Lennon sumiu do mapa, saindo da cena musical sem dar maiores explicações para salvar seu casamento com Yoko Ono.


Nada disso desmerece o legado musical dos Beatles. Mas é importante resgatar essas histórias de bastidores para que todos entendam de uma vez por todas que os Beatles não acabaram apenas por razões conjugais e pessoais. O que matou os Beatles foi na verdade o grande sonho deles: a Apple Records.

Ou seja: quando John Lennon declarou para o mundo que “o sonho acabou” – e isso foi entendido como uma metáfora para a mudança dos tempos –, tenham certeza que essa afirmação era bem mais concreta e pessoal do que parecia ser naquele momento de decepção coletiva.

Eu Prefiro Paul McCartney (por Joaquim Ferreira dos Santos para O GLOBO, 2005)


Paul era melhor.

Não teve a sorte de morrer jovem e merecer todas as lágrimas que as televisões e jornais verteram semana passada pelos 25 anos dos funerais de John Lennon. É um dos vícios da Humanidade. Privilegiar os mortos, os perdedores, os esquisitões, os que sofrem, os que gritam socorro e ainda por cima encontraram um doido com a arma carregada para lhe arrematar a biografia de herói. John, que Deus o tenha entre as flores do seu campo de morangos, entrou para a História como o beatle que pôs o circo de pé. Não foi bem assim. Os especiais dos canais a cabo, as matérias de página inteira nos jornais disseram que o homem deu substância ao pop. Menos, senhores. John usava óculos, era meio gordinho, foi abandonado pela mãe. Essas coisas imprimem bacana numa camiseta de fundo preto e o seu dono só precisa entrar com o punho fechado mais o suor nas axilas. Dá mina aos montes. Nada disso, no entanto, compõe necessariamente uma música melhor.

Paul era o cara, é só ouvir o piano solando “Maybe I’m Amazed” ao fundo dessas linhas. Desgraçadamente era um homem bonito, casado com uma loura milionária e tinha aquela mania de fazer delicadas canções solares, getting better all the time , enquanto o colega estava saudando as luzes da Lua. Não fica bem elogiar gente feliz, e os jornalistas sempre souberam sonegar aplausos a Paul. Viva a amargura e a depressão! Vamos dar uma chance à paz, vamos ajudar a Brigitte Bardot a salvar as baleias, vamos acabar com a fome no Brasil. John Lennon, com aquele papo de grito primal, aquela balada para a mamãe morta, os gritos para que o papai voltasse para casa, parece ter sido o sujeito mais complicado dos anos 60. Isso é música para as rotativas. Parem as máquinas porque Lennon largou tudo e convocou o grupo para puxar angústia com o Maharish, um dos maiores salafrários do século. No Brasil, ele seria petista de primeira hora. Cederia ao companheiro Lula os direitos da música que pede poder para o povo. E olhem que quem escreveu “O tolo na montanha” foi Paul.

Eu prefiro Paul McCartney. Respeitosamente como me é de estilo, deixei que as viúvas aliviassem todas as suas lágrimas nas lembranças da semana passada. Esperei que os críticos desovassem suas reflexões e fingissem que não foi Lennon quem compôs “Então é Natal”, essa musiquinha que se alia ao amigo-oculto, ao engarrafamento da árvore na Lagoa e dá vontade a todos de simplesmente pular dezembro.

Paul — se é possível dizer que o preto é superior ao branco, se o jornalismo tem entre suas graças abolir essas zonas de sombra e partir para o pau, eu vos digo — Paul foi quem deu o tom. Deu arte-final ao que era apenas descontrole da pélvis. Só agora, neste cantinho discreto, único lugar do mundo onde não está tocando “Imagine”, eu abro o jogo. O janota era quem fazia, good day sunshine , o sol civilizado brilhar na loucura. Sua franjinha podia ser a mais bem cortada, esse tipo de coisa arrumadinha que passa uma impressão muito ruim aos ativistas de esquerda. Mas foi ele quem colocou a orquestra sinfônica no estúdio e bolou a explosão de sons que instaurou a vanguarda no pop com “A day in the life”. Foi ele quem usou a paródia, a colagem e a metalinguagem, como exigiam as últimas notícias do tempo, e fez “Back in the USSR” curtindo com a cara dos vocais dos Beach Boys, o grupo que tanto invejava.

Lennon discursava. Afinal tinha passado todos os anos 60 casado com uma loura sem sal de Liverpool e isso dá nos nervos de qualquer um. Um agitador genial. Quando a barra doméstica pesava, a televisão na sala estava alta ou as crianças não queriam dormir, ele escapava nas primeiras drogas do rock. Engendrou textos psicodélicos que até hoje desafiam a paciência do planeta porque ninguém consegue atinar, caramba, o que o cara queria dizer com aquela história de que ele era a vaca marinha num verso e logo no outro que ele na verdade era o homem-ovo. Esquizofrenia é uma arma quente para se conseguir a posteridade artística. Dá, além de camiseta em Santa Teresa, radicalidade intelectual. Paul preferiu caprichar na música. Enquanto eu mudo de parágrafo deixo tocando como exemplo os metais de “Got To Get You Into My Life”.

Eles eram Pelé e Coutinho. Na maioria das vezes, como nos filmes escuros dos 60 em que a dupla infernizava o time do Benfica, ficava difícil dizer quem dava o passe e quem marcava o gol. Ninguém faz “In My Life” impunemente, como Lennon nos Beatles, a música ciclâmen que ora dedico à Irene e à Helena, do Jardim Botânico. Lennon escreveu a psicodelia de “Tomorrow never knows”, passou para Paul, que colocou os loops, deu uma mamada em Cage, e deixou a música na cara do gol, num jeitão que ainda hoje soa esquisito. Rolava uma química, a tal sinergia que tanto pede o meu chefe de RH. Quando eles se separaram, no entanto, e o John solo veio de “O herói da classe trabalhadora”, aí a coisa ficou clara.

O Pelé era Paul. Foi ele, o careta, quem percebeu sofisticação atrás da pancadaria adolescente e explodiu as espinhas do rock. Fez “Yesterday”, uma das três mais bonitas canções de amor do século passado — as outras duas estão em qualquer LP de Sinatra. Fez “Penny Lane”, uma crônica suburbana como essas que de vez em quando aparecem aqui, onde havia um barbeiro mostrando fotos de todas as cabeças que ele teve o prazer de cortar. O rock deixou de ter cara de bandido. Lennon — cara de rapaz zangado, 68 em estado bruto, aquele que cantou ser um perdedor — faturou o pôster da rebeldia jovem. Eu posso até não ficar bem na foto do politicamente correto, mas junto a voz aos corações solitários da banda do sargento Pepper. John sozinho era pau. Prefiro Paul.

O idiota do Mark Chapman matou o beatle errado.

Os contornos da Serra são adeuses do Oceano ao Cais (por Flávio Viegas Amoreira)


[Poemas/1984]

raízes mãos longadas
fios de gotas
prosseguimentos
paragens das asas duplas
coalham sal dos ermos
anoitece horizonte: luz é detalhe

queria dizendo até quando
quedo opresso
jardim aquieto
onde ele
tartamudo
lançada rede milhas
canso durdidura

****

comer um peixe ardente
mistral dourando brocados
algas silvestres
cristais são ondas fóssseis
pena deitar ao mar trevos em forquilhas.

****

NAZCA

a ruptura como dinâmica, não ortodoxia. autonomia pressupondo novas investidas: poesia instaura reino pantanoso na Literatura, incerto mal progressivo que instaura estranheza de texto, devir miraculoso da imanência insistente: é demais estonteante o primeiro brado / percebo-me num ocasional bafejo/ rumos em disparates / ah! pulsões do ardor / Universo por desatinos lógicos/ dúbias montanhas: dói o não feito pelos olhos mal rompido amontoado desenlaces / poema vocifera primavera inútil / o mais adiante é inconsequencia sem urgência, intrinsicamente ligo-me a um conjunto composto que impreciso quando descrito: pressinto reparação da assertiva refeita em dúvidas / espero vencer-me, escrevo-te. rasguei-me a frio numa cruzada na passagem do Helesponto: agito a fronte larga e debruço / tornei à Éfeso na rubra romaria: um batalhão de fiéis prorrompia / depuro meu coração: nunca será a Groenlândia. não existe uma só perspectiva isolando-me: enveredo-me por algum horizonte inascido num mar dum fundo oco. conheci alguém no encalço: sozinho não conheço derrota, insisto ao dobre e meio: apuro o passo e vou ao martírio de mim com sombra testemunha. Eu vaporizo elementos em palavras-polén: necessito entrar-me dando ao tom do vento o vazio dalguma guarida. guardo último espelho da aurora: o fim é pedaço extenso do começo alongado ao abismo dando num prenúncio e quando penso desconverso, elido. o caule entre a seiva e o prepúcio: goza artimanha desfolhada. hás de ser sempre meu amigo: torna a teu recanto transtorna a letra morta é pouso de quem não mira fundo. há dignidades num influxo: abarca o transporte imerso submergindo enigmas: a carruagem da morte esquece desse que não titubeia. quem escreve nada sabe do que diz nisso acaba sendo mais verdadeiro que tudo-todo omitido pelas coisas: vai além da compreensão o leitor que o sucede na reverberação do que nadava em vale num paraíso dúbio. a imaginação é mais impura das gentilezas que a razão recebe do absurdo: a razão é tão velha como a primeira cafetina da mais velha das profissões: a pilhagem de termos. Aos dezoitos anos conheci uma guilda de homens que se amam nos subúrbios de suas pernas que voam em assovios: vem nesse canto escuro! há uma ponte que nos esconde do riacho turvo: a noite a praia é bréu e nada do céu testemunha as braguilhas em bronhas clandestinas. conheci gente depois da infância e nada perdi esquecendo a meninez: a juventude é forte Quixote arfando estanho/conheci a deusa, o tigre e suas presas: eu vim de enfrentar desconhecimento e agora pari um ogro azul que chamamos nuvem: não quero o que passa / desço e pranteio o que permanece disfarce que desato. imaneço: tenho um par de óculos e lunetas: tudo que arreganho é dos marujos de Holanda. Volto ao nome / restabeleço a crença: houve dormires em que velavam cortesãos / giramundos / não existem musas: só homens pelos braços. a mim não foste senão. Farei ondas / crescerás um Mar : findaremos vozes / segredos dissipantes: passa um gato do meu feitio de brilho da estatura do meu sonho. Céu / Mar: vácuo que precede é vão: saudades é pranto vestido de amplidão e serra. amanhece gêmeo: somos ambos.



Flávio Viegas Amoreira (na foto com o ator Michel Melamed) é escritor, crítico literário e jornalista

Botequim Também É Cultura! (por Armando Catunda)


- Boa noite, senhores.
Como sempre a entrada do Foca no boteco tinha algo de formal.
Cumprimentava os presentes com uma leve mesura e gravemente depositava seus cadernos universitários sobre o balcão. Então pedia:
- Senhor proprietário, gostaria de degustar uma ampola à temperatura correta.
Depois do primeiro gole passava a alisar carinhosamente os enormes bigodes. Bigodes estes que lhe valeram o apelido que tanto o irritava.
- Pô, bigode, tu parece aquela foca do desenho do Pica Pau. Dito e feito. Pegou.
Mulato alto e elegante para os padrões locais, com suas frases elaboradas de quem lê muito, como ele gostava de frisar, o Foca depois que passara a freqüentar o supletivo noturno “piorara muito em sua mania de ser besta”, segundo o Bibelô.
Bibelô de Balcão ou simplesmente Bibelô para os íntimos, trajava-se informalmente: boné Lee, com as abas quase cobrindo os olhos, chinelo de dedo e a bermuda sempre com o jornal popular enfiado no bolso de trás. Bebia e fumava em velocidade cruzeiro. Pouco falava ao contrário do Foca que mal chegara e já pontificava:
- Os portugueses sim, falam corretamente. Eles dizem: Tu vais á praia? Tu vais ao cinema? Já o santista só fala erradamente: tu vai, tu foi. É tão bonita a nossa língua mãe conjugada corretamente, não é, senhores?
A pequena e atenta platéia composta dos últimos pinguços da noite, concordou, impressionada com tamanha erudição.
- Já o santista tem essa mania de avacalhar com a língua: - Tu viu o Betão por aí? Tu vai na Vila domingo? Não dá, é muita vontade de falar errado!
O Bibelô aparentemente alheio, acompanhava o balé de duas moscas no balcão, mas ao ouvir a honra da cidade ser atacada tão frontalmente, reagiu de pronto:
- Peraí, o santista fala errado, o cacete!
- Fala! Ele não utiliza a segunda pessoa corretamente.
- Que segunda pessoa?
- Tu. A segunda pessoa.
- Ah! Quer dizer que se eu disser: tu vai no jogo, tá errado?
- Claro que está.
- Errado o que, rapaz.Tu é a palavra mais certa que existe.
O Foca ouvia com um sorriso irônico, balançando a cabeça levemente.
- Deixa de ser ignorante. O português correto é: Tu vais ao jogo. Vais, entendeu? Só os portugueses falam certo a segunda pessoa.
- Que segunda pessoa? Que segunda pessoa? Tu não é a segunda pessoa coisa nenhuma. O tu é o tu. É muito mais certo do que falar você. “Você” é uma palavra emprestada.
- O que? Esse é duro de entender! Cacetada...Olha aqui ô baixinho, tu não sabe nem o que é pronome.
- Olha lá, ele falou “tu” errado! Tu não sabe. Não, o certo é (fazendo beicinho): Tu não sabes...
- É que você é tão burro que me deixa nervoso. Você é uma palavra emprestada... Nunca ouvi uma asneira igual. Ouviu essa português?
Bibelô tirou o pé da banqueta, bebeu a pinga de um gole só e peitou:
- É emprestada. O certo é o “tu”. “Tu” é a palavra mais certa do dicionário porque é a mais antiga. Como é que falavam antigamente, tu ou você?
Antigamente quando? Perguntou o Foca ressabiado.
- No princípio do mundo.
O Foca ficou mudo. Não esperava por esta.
O Bibelô apertando:
- Como é que falavam os romanos, hem? Como é que eles falavam? Tu vais ao Coliseu. Tu és César. Ou era “você”?
O Foca vendo-se abandonado pela platéia que balançava a cabeça aprovando a argumentação do Bibelô, contra atacou:
- Está vendo: Vais. Tu vais ao Coliseu. Este é o certo!
- O vais é uma subseqüência. O errado é ele e não o tu.
O Foca abriu a boca sem falar. Sentiu o golpe. Perdia terreno nitidamente. Bibelô seguia implacável:
- É lógico. O tu vem antes. Agora se tu vai se tu fica o problema é teu.
Raimundo, o copa baixinho, passou um pano no balcão e apontou o Bibelô com o queixo:
- Esse aí, é foda!
O Foca mudo.
-Tu tá estudando, mas não tá estudando muito, hem Bigode? Querendo engambela os outros... Pra cima de mim? Malandro é o gato...
Bibelô vendo no sorriso de todos sua clara vitória, lavando a honra da cidade, tripudiou, irônico:
- Tá bem, o santista fala errado. A Bíblia deve estar errada também.
E enérgico nocauteou o pobre Foca:
-Tu é uma palavra que vem de Deus.
Exemplificou estendendo os braços:
- Tu é meu filho. Tu fará minha obra. Dá mais uma pinga aí. Quer tomar uma, sabidão?
O Foca nem respondeu, desalentado ainda tentou seu último aliado:
- Não dá, né português? O cara não conhece nem pronome...
Mas o português virou-lhe as costas e ligou o rádio.

LITORAL FM - 27 de JULHO de 2009 (com CLÁUDIO VASQUES)



Marcelo Rosendo, Cláudio Vasques, Flávio Viegas Amoreira, Cecília Lopes e Chico Marques

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Lux In Tenebris (por Flávio Viegas Amoreira)

Fazem nas trevas do dia
Ao correr da noite escura
O que tem na natura.
Sempre voltam ao início.

Nela o vício é a virtude
E a virtude é o seu vício.
Cada um , em seu ofício,
Metamorfose produz:
Das trevas acendem luz.

[poema de monge irlandês do século IX , tradução professor Paulo Ferreira da Cunha, Universidade do Porto]



Na aurora do cinematógrafo o espanto: a caverna de Platão ao avesso: a retenção possível do Devir, a apreensão imanente do atemporal estava ali na salinha escura avessa ao ´néon-fake´ das metrópoles que regurgitavam ilusão ,

´Maya´ entre o burburinho das ruas. Muita luz, muita sombra: Lumiére alumiando o cotidiano além do mimetismo: cinema como fenomenologia do espanto encantatório do instante. Em ´´Hanna e suas irmãs´´, o personagem de Woody Allen tenta todas as crenças religiosas e alternativas terapêuticas para a dor de existir: a beira do suicídio, entra na ´´treva´´ aparente duma matinê novaiorquina e revela-se a luz : uma fita dos ´´Irmãos Marx´´ servem como ´´rosebud´´ ou ´´madeleine proustina´´ para sua redenção. Epifania: há uma claríssima dicotomia entre o simbolismo carregado de significados extraídos das telas e o esvaziamento de sacralidade no prosaico universo consumista e estupidamente hedonista do ´´ mundo-lá-fora´´. Sinto-me como numa catedral laica, numa clareira aconchegada quando me rendo ao eterno presentificado ao assistir ´´O sétimo selo´´ ou ´´Morte em Veneza: a luz se faz com Bergman e Visconti pontificando feito sumo sacerdotes da Fé dos sem crença transcendente: Arte! E quanto de Arte reunida projetando imagens e diálogos como quem lê a ´´Divina Comédia´´ ou ´´Moby Dick´´ desconstruídos magistralmente em Murnau ou Dreyer : se o século XX deixou legado, creio que foi o cinema sua maior contribuição tendo Chaplin como um Shakespeare

para platéias múltiplas na sua variedade de formas e conteúdos liricamente estilizados. Heresia comparar o bardo inglês ao ´´genial vagabundo´´? Tão pertinente quanto revisitar ´´Amacord´´ com olhos de quem percorre Bocaccio... A arte cinematográfica é a que mais se aproxima do mito prometéico de tomar a tocha de Zeus: planos sequencias, ´zoom ´, montagem:

é na elaboração da perspectiva filmada que mais rebubinamos a cosmogonia e a gênese : no começo Mélies fez do Verbo : luz em sinestesia, câmera e ação!

´´Long shot´´ ou ´´Big Close´´ : o cinema esquadrinha a natureza humana com enquadramento que a fugacidade opaca da modernidade já não dessacralizou.

Cinema como liturgia, êxtase sensório, orgíaca plasticidade para minhas retina nada fatigadas. Recorro ‘a Heidegger para transplantar ontologia a minha intimidade com a Sétima Arte: ´´Clarear algo que dizer: tornar algo leve, tornar algo livre e aberto, por exemplo, tornar a floresta, em determinado lugar, livre de árvores. A dimensão livre que assim surge é a clareira. O claro, no sentido de livre e aberto, não possui nada de comum, nem sob o ponto de vista lingüístico, nem no atinente ‘a coisa que é expressa, com o adjetivo ´´luminoso´´ que significa ´claro´. Nunca, porém, a luz primeiro cria a clareira; aquela , a luz, pressoupõe esta, a clareira. A clareira é o aberto para tudo que se presenta e ausenta. ´´ O cinema não como lume, sim ´numinoso´:

algo que redefino apartir do natural ´ reproduzido´ e que desdobro em miradas retidas no esforço em que me perco, a errância que ´paraliso´ num ´spot´ ou ´flash´ recobrado. A técnica ‘a serviço da civilização que não ´desnatura´ ou ´desumaniza´: facho que tira do pó e lança pontes ‘a literatura e ao teatro:

além da perspectiva renascentista serializada. O cinema indústria, entretenimento ou refulgência definido sem ilusões grandiloqüentes por Paulo Emílio Salles Gomes: ´´A história da arte cinematográfica poderia limitar-se, sem correr o risco de deformação fatal, ao tratamento de dois temas, a saber, o que o cinema deve ao teatro e o que deve ‘a literatura. O filme só escapa a esses grilhões quando desistimos de encará-lo como obra-de-arte e ele começa a nos interessar como fenômeno. Não é na estética, mas na sociologia que refulge a originalidade do cinema como arte viva do século.´´ Quanta lucidez do mestre Paulo Emílio! Contradiz-se por saber inconclusa qualquer ordenamento estanque do que seja Cinema: mas enfatiza seu maior predicado enquanto Arte que soma, desnuda-se e deita raízes cromático-prismáticas:

o Cinema em seu âmago ´refulge´! A angústia da folha em branco ao escritor é

a luta do cineasta da sombra ao copião: o diáfano, o informe dissoluto pede ser clarificado pelo amalgama entre intelecção e sensibilidade captada por negativos imagéticos do nada que ressurge do vazio preenchido e resignificado: holofotes são alegorias solares. ´´O artista (...) excede os estados perceptivos e as passagens afetivas do vivido. É um vidente, alguém que se torna. Como contaria ele o que aconteceu, ou o que imagina, já que é uma sombra? Ele viu na Vida algo muito grande, demasiado intolerável também (...) fazendo estourar as percepções vividas numa espécie de cubismo, de simultanismo, de luz crua ou de crepúsculo, de púrpura ou de azul, que não tem mais outro objeto nem sujeito senão eles mesmos.´´ Diz Deleuze sobre

arte como retenção ou evasão apartir da obra em si: o contraste entre o ensolarado em meus olhos marejados e o choque com o horizonte diante de meu destino fora da sala de projeção. Nenhum impacto é maior que ser espectador numa cidade de praia, mar, cais: duas atmosferas telúricas magistrais: a solitude partilhada numa sessão quase vazia e o fim de tarde indagando: onde é mais Vida a Vida? Diante da tela ou do marulho do Oceano? O claro-escuro, o ´sfumatto´ resgatam-me o insondável: ´´Frankstein´´ de James Whale, o ´´film-noir´ básico: ´´Laura´´ , o ´gran-finale´ de ´´Sunset Boulevard´´ com Gloria Swanson entre luz e trevas na grande metalinguagem de Hollywood, - a dança enlouquecida de Peter O´Otole em ´´Lawrence da Arábia´´, a interpretação bizarra de Bette Davis em ´´Baby Jane´´ ou o recente clássico de François Ozon : ´´O tempo que resta´´ são fitas que me tornam obsessivo: Cinema é fundamentalmente obsessão do olhar pelo excesso de sensibididade posto nele: o olhar, a imagem. ´´Despertar´´, reconhecimento da verdadeira identidade da alma:

´anamnesis´: retorno a paraíso perdido, o Cinema é como o Oceano para mim:

útero apaziguador ou erotismo da visualidade que me penetra epidermicamente. Na literatura me busco, através do cinema, por ele:

me perco achando, tão ou mais profundo. Meu cérebro além de máquina de escrita, faz-se luz como neurônios tragados cinética e cinematograficamente.




Flávio Viegas Amoreira é escritor, crítico literário e jornalista

Ilustração 1: tela "Peixe Azul" de Maurício Adinolfi
ilustração 2: fotograma de Gloria Swanson no filme de Billy Wilder, "Sunset Boulevard"


publicado originalmente no blog CURTA SANTOS

A Beleza Fácil e Definitiva de Ceumar e Sua Música (por Julinho Bittencourt)



Se o Brasil procurava uma nova dama da canção, achou! Com uma carreira que começou em 2000, com o lindo disco Dindinha, a cantora mineira Ceumar traz todos os requisitos para ocupar o posto de grande diva da nossa música.

Tem um repertório novo, inteligente e bem elaborado, sua voz é límpida e linda e, como se não bastasse isso tudo, ela também é dona de uma beleza fácil e definitiva, daquelas que prescinde dos truques das roupas e dos salões.

E, só para deixar tudo isso mais claro, chega a Meu Nome, seu quarto disco, com duas inovações corajosas. A primeira se desdobra em duas, ou seja, é um disco ao vivo onde ela se apresenta apenas com seus violões. A segunda, tão ousada quanto, fica por conta do repertório. Desta vez ela gravou somente canções suas, algumas em parceria, mas a maioria dela mesmo.

Para quem chegou no cenário cantando coisas que vão de Sinhô a Zeca Baleiro, passando por Luiz Tatit e Dante Ozzetti, com quem dividiu o inesquecível disco Achou!, e até o grupo inglês Renaissance, um repertório inédito poderia ser perigoso e frustrante.

No entanto, ao contrário do que pudesse prever qualquer produtor mais austero, suas canções se equivalem a todo o seu talento. São brejeiras, construídas de forma mínima e certeira. Com duas ou três frases, tanto musicais quanto melódicas, resolve a questão e deixa a audiência feliz da vida.

O disco abre com Reinvento, composição cuja letra de estirpe traz para o grande público a poetisa Estrela Ruiz Leminski. E é justamente a desfaçatez de Ceumar um dos melhores ingredientes deste Meu Nome. Ao mesmo tempo em que transforma em coloquiais versos mais densos, faz com que as suas melodias transformem conversas ao pé do ouvido em construções inesquecíveis.

A partir disso, a cantora expõe em suas canções um universo tão único e, por isso mesmo, tão reconhecível para todos. Fala do filho e da mãe, da chuva e do tempo, tudo quase como quem percorre um álbum de retratos ou revê uma cidade antiga.

Segue, enfim, a nos contar histórias, ensinar cantigas e brincadeiras de roda feito um viajante que descreve seu país distante. Um lugar que, de repente, descobrimos também como nosso.

Tudo na sua música acontece de forma natural e tranquila. Talvez até por isso este formato somente com voz e violão tenha um significado maior para a carreira da cantora.

Com um tantinho de maquiagem aqui e ali, alguns poucos acordes precisos, o senso exato do ritmo e da respiração, e o sorriso aberto, ela reinventa para um novo mundo a sua canção dos folguedos e praças.

De saia rodada e intenção agreste, sua alma impregnada de asfalto canta fácil canções difíceis. Com jeito de quem escapou de um romance de Jorge Amado, Ceumar dança entre os blogs e alinhava com seu canto a eternidade. Meu Nome, assim como a sua autora, é um disco feito para sempre.


Julinho Bittencourt é jornalista e músico (ou músico e jornalista)

Garanta já o seu ingresso para a apresentação de Ceumar no domingo, 2 de Agosto, no Teatro do SESC-Santos

publicado originalmente no Trupe da Terra

Diário de Viagem (por Armando Catunda)




Definitivamente Budapeste é um livro e não um filme.
O que fica após duas cumpridas horas no cinema são algumas boas frases e a idéia de que entender profundamente um idioma estrangeiro é realmente ganhar uma nova cidadania.
A palavra é o povo.


Encontro com escritores que pretendem carregar a poesia pela vida como imagem de virgem no andor em procissão.
Outros a carregam como o frango do Nelson Cavaquinho.
Em uma história mais saborosa que qualquer penosa, a mulher de Nelson contava o episódio em que incumbido de comprar o almoço de sábado, saiu às dez da manhã e retornou na segunda por volta do mesmo horário.
Voltou um trapo,vindo de animadíssimos pés sujos e quem sabe de que quartos suspeitos.
Amarrotado, cheirando azedo, já na abissal ressaca avançou portãozinho adentro com cara de cachorro ladrão, segurando a ave meio apodrecida como um troféu, como um álibi. Foi seguido por um verdadeiro amigo, um fiel escudeiro de orgia que implorou à esposa do poeta: - Não briga com o Nelson, não. Você não sabe o que ele fez para chegar com esse frango em casa, até correr atrás de bonde onde o havia esquecido, ele correu!
Estou mais para Nelson que para sacristão.
A poesia não nasce para revestir seu autor de respeitabilidade e status social.
A poesia é o alimento debaixo do braço, do suvaco suado, enquanto a vida nos vive em suas corredeiras.
A vida é uma ladeira.


A velhice cada vez me assusta mais. Não a minha que chega aos poucos, como quem não quer nada, disfarçando.
Chega como aquele hóspede, mansinho, humilde, se desculpando pelo incômodo, mas que se aboleta na casa e quer dominá-la, apossar-se dela toda, mais cedo ou mais tarde.
Ela me assusta e horroriza por vê-la devastando aos que amo.
Arranca as rodas.
Para alguns poucos, alguns raros, restam as asas.


A pizza de boteco é uma instituição e certos bares tinham que ser tombados como patrimônio da humanidade que habita aquele bairro.
Um bom boteco tem sempre um bicheiro de plantão, um garçom tão antigo como a casa e clientes que podem ter o DNA de seu cotovelo encontrado no balcão.
Saber que a cerveja é inesgotável enche um homem de confiança no planeta.


O provincianismo é como o tempero imutável de certos pratos no almoço de domingo com a família.


Gilberto Mendes e Eliane agora tem uma cadela que come em sua mesa e dorme no seu quarto. Chama-se Mel e tomou conta da casa como fazem os espertos cachorrinhos.
Um filho ou uma filha peluda alegra a vida, faz a ponte entre nossas estressadas existências com o mundo sem pecado e sem perdão da natureza.
No final somos nós que abanamos o rabo para aquele nariz molhado, aquele amor tão sincero.


Durante o progrma de rádio "Quatro Ases e Um Coringa", no intervalo com os microfones desligados, entrevistados e entrevistadores, discorrem sobre os pepézinhos e os pepézões das grandes cantoras.
Os pés da Badi Assad são lembrados, como seres autônomos, despidos, que dançam como tuaregues, com a mesma lascívia selvagem em volta da fogueira no deserto, sob a lua.
Os de Diana Krall, sabem todos os truques da sedução civilizada. Nova-iorquinos, entronizados em saltos sete e meio, fabricam sonhos nos pedais de seu Steinway.
Dançam em salões utópicos e repousam banhando-se em cascatas de champanhe.


Foi reconhecido em uma discussão cultural de altos e baixos que o avento da segmentação literária de conformidade com a orientação sexual dos autores é uma curiosa realidade.
Por alguns foi considerado inaceitável que as Escritoras Lésbicas ganhem um espaço especial em uma feira literária e os Escritores Punheteiros não recebam os mesmos privilégios.
Abaixo a discriminação para o Quarto Sexo.


Os vendedores de Santos: um super plugado e eficiente em uma loja de tênis, uma anta letárgica em uma loja de instrumentos musicais, uma toupeira néscia tentando digitar um autor que desconhece no computador da livraria.
Fatos isolados ou o retrato de uma época?


foto: Armando Catunda

Armando Catunda é fotógrafo, escritor, ex-baterista e ex-dono de botequim

publicado originalmente em IMPRESSÕES DIGITAIS

Luta Política Santista Completa 25 Anos (por Carlos Mauri Alexandrino)




A retomada da autonomia política de Santos completa 25 anos no dia 9 de julho. Neste dia, às 11 horas e 8 minutos exatamente, o então presidente da Câmara Municipal de Santos, Noé de Carvalho, terminou de dar posse ao prefeito eleito Oswaldo Justo e declarou restaurada a autonomia municipal.

Nosso direito político mais elementar, de escolher o governo da cidade, foi duramente atingido já no golpe de estado de 1964 e seguiu trôpego até 1969, quando foi perdido de vez sob o manto dúbio da segurança nacional.

Entre um ponto e outro tivemos duas intervenções militares na cidade, perdemos dois prefeitos eleitos, que foram cassados e tiveram seus direitos políticos suspensos por dez anos, outros líderes locais foram igualmente condenados a esse exílio interno.

Fomos considerados, como comunidade, um risco à segurança do país e, finalmente, declarados como incapazes de governar nosso próprio destino.

Os santistas, que não podiam votar no presidente e no governador, como os demais brasileiros, não podiam sequer eleger o prefeito da cidade. Fomos transformados em cidadãos de segunda classe.

O caminho de volta foi uma longa luta cotidiana, demorada, árdua, arriscada durante bom tempo, aquela empreendida pela cidade até reconquistar o direito de autogovernar-se. Só em 2 de agosto de 1983, um decreto presidencial, nos devolveu a autonomia, que seria restaurada, segundo seus termos, com a posse do prefeito eleito. Vinte anos foram consumidos nesse combate.

A luta pela autonomia política de Santos confundiu-se com as lutas gerais do povo brasileiro pelas liberdades democráticas, pela libertação de presos políticos e a anistia. O eco da conquista santista chegou à própria luta pelo fim da ditadura e foi nossa maior contribuição à causa, pelo efeito midiático da eleição numa cidade impedida de votar que reconquistava esse direito, num país onde os cidadãos queriam votar e não lhes era permitido.

Desde a restauração da autonomia política, uma geração inteira de santistas cresceu e amadureceu sob condições políticas democráticas e sabe apenas do que leu a respeito ou nem isso, sobre um tempo de perigos hoje impensáveis. Época em que se podia ser preso pelo que se dizia ou pensava, pela crença política que se tivesse. Período em que se morria nas prisões, sob tortura, ou em execuções sumárias.

Soa mesmo pouco compreensível que não se pudesse eleger o prefeito da cidade, coisa corriqueira, repetida a cada quatro anos. Como fazer toda uma geração entender que mesmo esse voto doméstico é uma coisa preciosa? Que essa ação simples é um direito que exerce porque foi erigido pela força da luta de santistas de outro tempo?

Como podem os mais jovens compartilhar, sem ter vivido, a emoção de uma unidade como a que os santistas forjaram naquele combate? Foi um momento duro, mas rico, que uniu todas as correntes de pensamento político contrários à ditadura, para a busca de um objetivo comum. Como pode ter esse sentimento profundo quem viveu uma vida inteira sob o livre confronto de idéias, com cada linha de pensamento buscando sua expressão própria, como se todos estivéssemos estado sempre e sempre separados?

Talvez seja uma sina que o resultado das lutas de uma geração passe ao cotidiano da geração seguinte com tal naturalidade, que o custo e a beleza daquela vitória original sejam esquecidos com o tempo. Podemos contar a história, relembrar, fazer ver. Mas não podemos reviver sentimentos. E talvez seja bom assim.

Foto de Rafael Dias Herrera: quepes militares sobre a mesa do Salão Nobre da Prefeitura de Santos durante a posse do interventor do governo em Santos.

publicado originalmente no Jornal da Orla