quarta-feira, 26 de agosto de 2009

ÚLTIMOS DE SODOMA (por Flávio Viegas Amoreira)


 
‘’ nenhum habitante até onda avista: a mulher espreitava e nua em pelo nos queria: mal nenhum podia abater naquele instante fora do tempo: faziamos
algo sem fruto no roçar da epiderme;- negamos o mundo omitindo o que fosse perpetuidade: as janelas esbatiam, a água cedia e alguns cumes secos podiam ser pressentidos , os dois amavamos, não! torcíamos para que não fossemos tragados até derradeira aurora; a mulher foi por nós negada: fazia pena com suas estórias, satisfazia seu gosto com instrumento próprio que lhe cabia:
o mundo tornava ser dois homens copulando sem malícia.’’
 
´´Aquela noite ficara como inseto afixado num âmbar: minha memória engatinha no sentido amplo dos detalhes: basta uma noite venturoso tendo o mar como leito para desdobrar-se toda estória duma vida: ele nu me chamando na praia escura foi a visão que delineei do paraíso terrestre; o som da cidade esbatia, sotavento, enquanto me desnudava tendo garantido o monte onde aprumava incerta minha roupa; voltei ao instante da partida com meu homem mais adentro das ondas; senti-me seguro para restituir plano terrestre a feitura dos anjos: magma vulcânico esfriado, rio caudaloso, maresia nos meus poros entranhando a alma de esperma caudaloso do oceano burbulhando em torvelinho. Amei meu homem naquele balneário pré-carnavalesco;
verão , e senti enorme poder de meu desejo sem mais esporas.
Nenhum adjetivo retêm o sabor de nossa substância: fomos gregos, nossos membros se encontraram, senti a naja perpassar como navalha a dorsal espera de meses daquela ausência: a penetração é como um parto avesso. O sentido do corpo é véspera da irremediável lembrança: tenho teu sorriso como referência e a hora da confissão de amor que só dita por êxtase e nele a verdade faz-se também gozo do teu membro. Teu corpo agora passado é maior que a substância daquele instinto: esquadro um holograma aéreo e vejo-te em todos lugares depois pousas-te num átimo o arpão nesse peixe sedento que era esvoaçando no prazer que ia-se me rasgando. Havia micrologias, pequenos hiatos em nosso envolvimento, retive-os todos desde o parapeito ‘a rebentação no precipício ‘as espumas entre teu feixe pubiano: a felação é sagrada como a tentativa do pensamento. Quando juntos faço um Vida, tira a ilusão de outro contato: em ti todos os homens tem um pedaço e formo o primordial. Tuas formas que obedecem as funções inauditas que só eu em minha sodomização claudicante sou capaz de refazer como quem interpõem anarquia no reino obviedade. Macerado, compungido, entra-me e vou permitindo em minhas vísceras  possibilidades de ejaculação recíproca: agora que permanecido dentro de mim, sem o trauma do espetacular transpasse. Enleado, assim te retenho: tirei-te do útero, corporifiquei a anti-vulva: sou um corpo que se estilhaça para que te componhas em conjuntura. Faltava-me o que desconheço, o que não se teve consciência : agora a crônica do Tempo era feito de nosso ajuntamento.
Concentração, seleção: encavernamos. O que sucede, o que passa , todo foi deixado na funcionalidade matriarcal dos lares: sou um lago puto onde passeias, onde bordas. Desabrocho, rasgas-te a rosa e entronizo uma só cor da
carnatura reajuntada das pétalas. Conto a não-presença, nunca a distância:
deixas-te a dor como saudade da alegria. Nunca desisti de teu significado , não te nomeio Amor: você é o que carrego sem sossego, a fenomenologia do meu trajeto desperto. Como meus pés sugados no Oceano, fiz-me esponja: traguei-te.
Turbilhão que suporto, feixe que apascento, homem que digita-se  na minha costela tornado Adão indivizível. Quando estava em mim delimitei todo espaço do universo em minhas coxas conformadas em dramática certeza. Quando puses-te-me em mim implodimos o gênese: refizemos o éden. Que me invente de novo , dissipação que nos define , somos ferozes tolos num céu adejando sem trâmites: depois do fórceps través da ossatura que se moldava ao teu abraço carcomendo minhas defesas em desequelíbrio. Aquela vista da janela soma todos os quadros pontilhados , indescobertos. Não cheguei ver o Mar totalmente por ser essa impossibilidade: o Mar que foi sempre cúmplice e estímulo dos marinheiros, amantes clandestinos e pederastas naufragados. Tomei de ti aroma sem zelo, era-me mais próximo que família e amigos: sou teu amante dito no masculino, e no masculino amante! Fica termo virilizado, forte como um mastro com resquícios de escamas. Cerzido por todas as horas e temperamentos: deixei que a pele desse-te guarida; moras-te em mim num arranque do teu peito contra meus costados vulneráveis ao teu pouso. Rompe abóbada celeste e iluminas de galáxias meu sol escurecido em gelo: escrevi o poema para tua voz e tua sombra; a idéia de segredo é nosso sono passageiro. Desejar teu murmúrio e escolher o teu sonho. Insaciável espera por teu flagrante. Porque não mais desencanto de existir e do dons da quimera:
nunca terá fim o que nomeei pela língua: tua glande, teus pêlos ruivos, tua boca que não fugia do tanto sentimento que te punhas. Teus dedos me apontando a infinidade de carícias: teu rosto que aprecio amaciado no infortúnio de todas tuas defesas ao amor de outro homem que se faz teu corpo de tanto que te desejas. Em ti nenhum fluído é interdito: nada repugna, fascínio tuas marcas e primeiros fios brancos que dizem de nossa ancestral afeição e maturidade compartilhada. O sentimento profundo enobrece, isola; há um púlpito invisível quando do nosso enlace. O tempo vela nossa geologia compartida. A grande falta é dizer-me , falar-me por ti; tudo é convicção do retorno: nada como ultrapasse o liame que nos rompe o nexo. Realidade , flor murcha dum jardim ausente. Quem dera fosse todo Universo a primavera dum tronco oco, advento dum animal estranho adentrando o espetáculo como fera e enternecido quisesse fazer amor toda esfera. Anulamos a discórdia : discórdia dos corpos :
nossos poros não estranhos ao firmamento.   ´´
 
´´A infindável distância / a irascível / irreverssível disposição / desproporção / nunca te pedem ódio por serem complacentes demais com tua estupidez .
A vez do outro é um dano que engoles / queres ser tu / o detentor da honra /
do acerto / senhor da fatalidade. A vida esticava-se como material sendo polido, coisas esboçadas como a estrela marinha que milimetricamente desprende-se dum castelo de areia : o tosco afinado pelo imperceptível : o corpo do homem era refeito pela minha atenção que punha e minha atenção é seu retoque , realce , sublimidade, remoinho de gosto: quando cingia sua nuca e pescoço
era o ápice dizendo que o Amor chegara as alturas : nosso abraço era um clássico da afeição: nada mais subversivo que a sodomia , irmã epidérmica da Arte: faz-se gozo pelo gozo, imanece, soa grandiosa para o silêncio. Quando me toca , um arpejo : sou Lázaro cada noite onde o Mar nos pega em flagrante delito contra o hábito de escolher flores pára os mesmo vazos.  A experiência e seus labores : nossa almas mais se aproximam do Ideal: totalidade. Nosso jogo é uma álgebra : vamos com a imprecisão de ondas trançando equações ao raciocínio : não é da conta do raciocínio a incerteza das vagas.  Não há amor que chegue para o amor.  Mordisquei, ele me ampara, ainda a estrela do mar ou um junco posto fora ao Mar : o ventre anêmona : a face plácida : sei que o amor mora onde a beleza exclama e diz : da-se em deixa ao murmúrio seco , longe de todo olhar espanto : dá-se em dália ou gomo.  Um mar sem estrelas :  a mulher foi posta fora do nosso Paraíso ;  somos aqueles faróis que se iluminam de ardor e desespero acalentado de sombra e magia. ´´
 
´´Ninguém não dizendo nada . Respeitamos a voz da hora. Torna-se preciso ter-se muito vigor, muito juízo para trazer a vida no equilíbrio de nossos dedos. O corpo ampliado pelos pedidos da Alma nunca torna ao tamanho de origem: vai espargindo suas dobras como carnatura vegetalizada: amando árvores e seixos,
canais lúgubres que se encantam no dobre de sinos do Oceano.  A vida é quando se escolhe o dia ou o jogo.  Que a minha embriaguez não seja esquecimento. Vigil : atento até ao inessencial ainda não encasulado . Estranheza original no crepúsculo : emersão no elementar , só o Mar permite o nada que excede o nexo. Qual sentido dos conhecimentos? Olhares? O saber invertebrado:  a razão que inventa sensações que bem poderiam ser antecipadas com mais propriedade pelos sentidos em sua inteireza de fogo-fátuo. Há uma solidão na aurora como gladiador fragilizado as portas das feras no Coliseu: que ruminou toda madrugada o desespero da carnificina que ao seu termo dilacera todo medo que justifica esse espanto. Os cárceres da imensidão A face do morto nos diz sutilezas insofismáveis .  A beleza do homem e do Mar são antídotos contra o vazio que sucede a expansão oca das galáxias. Estou trepando com Deus ultimamente : escrever é parir buracos negros. Dois homens nus na madrugada do Universo.´´

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