segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Os contornos da Serra são adeuses do Oceano ao Cais (por Flávio Viegas Amoreira)


[Poemas/1984]

raízes mãos longadas
fios de gotas
prosseguimentos
paragens das asas duplas
coalham sal dos ermos
anoitece horizonte: luz é detalhe

queria dizendo até quando
quedo opresso
jardim aquieto
onde ele
tartamudo
lançada rede milhas
canso durdidura

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comer um peixe ardente
mistral dourando brocados
algas silvestres
cristais são ondas fóssseis
pena deitar ao mar trevos em forquilhas.

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NAZCA

a ruptura como dinâmica, não ortodoxia. autonomia pressupondo novas investidas: poesia instaura reino pantanoso na Literatura, incerto mal progressivo que instaura estranheza de texto, devir miraculoso da imanência insistente: é demais estonteante o primeiro brado / percebo-me num ocasional bafejo/ rumos em disparates / ah! pulsões do ardor / Universo por desatinos lógicos/ dúbias montanhas: dói o não feito pelos olhos mal rompido amontoado desenlaces / poema vocifera primavera inútil / o mais adiante é inconsequencia sem urgência, intrinsicamente ligo-me a um conjunto composto que impreciso quando descrito: pressinto reparação da assertiva refeita em dúvidas / espero vencer-me, escrevo-te. rasguei-me a frio numa cruzada na passagem do Helesponto: agito a fronte larga e debruço / tornei à Éfeso na rubra romaria: um batalhão de fiéis prorrompia / depuro meu coração: nunca será a Groenlândia. não existe uma só perspectiva isolando-me: enveredo-me por algum horizonte inascido num mar dum fundo oco. conheci alguém no encalço: sozinho não conheço derrota, insisto ao dobre e meio: apuro o passo e vou ao martírio de mim com sombra testemunha. Eu vaporizo elementos em palavras-polén: necessito entrar-me dando ao tom do vento o vazio dalguma guarida. guardo último espelho da aurora: o fim é pedaço extenso do começo alongado ao abismo dando num prenúncio e quando penso desconverso, elido. o caule entre a seiva e o prepúcio: goza artimanha desfolhada. hás de ser sempre meu amigo: torna a teu recanto transtorna a letra morta é pouso de quem não mira fundo. há dignidades num influxo: abarca o transporte imerso submergindo enigmas: a carruagem da morte esquece desse que não titubeia. quem escreve nada sabe do que diz nisso acaba sendo mais verdadeiro que tudo-todo omitido pelas coisas: vai além da compreensão o leitor que o sucede na reverberação do que nadava em vale num paraíso dúbio. a imaginação é mais impura das gentilezas que a razão recebe do absurdo: a razão é tão velha como a primeira cafetina da mais velha das profissões: a pilhagem de termos. Aos dezoitos anos conheci uma guilda de homens que se amam nos subúrbios de suas pernas que voam em assovios: vem nesse canto escuro! há uma ponte que nos esconde do riacho turvo: a noite a praia é bréu e nada do céu testemunha as braguilhas em bronhas clandestinas. conheci gente depois da infância e nada perdi esquecendo a meninez: a juventude é forte Quixote arfando estanho/conheci a deusa, o tigre e suas presas: eu vim de enfrentar desconhecimento e agora pari um ogro azul que chamamos nuvem: não quero o que passa / desço e pranteio o que permanece disfarce que desato. imaneço: tenho um par de óculos e lunetas: tudo que arreganho é dos marujos de Holanda. Volto ao nome / restabeleço a crença: houve dormires em que velavam cortesãos / giramundos / não existem musas: só homens pelos braços. a mim não foste senão. Farei ondas / crescerás um Mar : findaremos vozes / segredos dissipantes: passa um gato do meu feitio de brilho da estatura do meu sonho. Céu / Mar: vácuo que precede é vão: saudades é pranto vestido de amplidão e serra. amanhece gêmeo: somos ambos.



Flávio Viegas Amoreira (na foto com o ator Michel Melamed) é escritor, crítico literário e jornalista

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