
Eu tinha prometido a mim mesmo que não iria escrever sobre Michael Jackson. Já basta a cobertura pegajosa da Imprensa, que quando não pendeu para o fanzine puro e simples, mergulhou de cabeça na grotesqueria cotidiana do "Rei do Pop".
"Rei do Pop"?
Jackson começou a se autoadular com essa expressão portentosa no seu primeiro grande momento de baixa, quando lançou o disco "History" -- um álbum duplo de 1995, mezzo greatest hits, mezzo disco de carreira, com 14 músicas novas que ninguém conseguiu memorizar e que mal tocaram nas rádios, de tão inexpressivas que eram.
Para endossar seu "título de nobreza", armou um casamento com Lisa Marie, a filha problemática do "Rei do Rock" Elvis Presley com a excelente atriz cômica Priscilla Presley -- que, além de não ser um casamento de verdade, não era feito para durar, pois sua função era apenas fornecer a Michael Jackson estofo familiar (dos Presleys) para ser aclamado "Rei do Pop" e reinar eternamente nesse posto. Ou seja, coisa de quem viu filmes de Walt Disney em excesso. Faltava apenas a Imprensa comprar a idéia e martelar bastante até o título "Rei do Pop" cair na boca do povo.

O problema é que isso não aconteceu. Em meados dos anos 1990, a baixa de popularidade de Michael Jackson revelou-se irreversível e a sucessão de escândalos envolvendo acusações de pedofilia e outras bizarrices não só renderam a ele o desagradável apelido "Wacko Jacko", como também serviram para jogar sua imagem pública num buraco aparentemente sem fundo. Financeiro, inclusive.
Eu tinha prometido a mim mesmo que não iria escrever sobre Michael Jackson, mas o caso é que levei um tapa quando li na web, na noite em que sua morte foi anunciada, a expressão "Rei do Pop" sendo usada por quase todos os órgãos de imprensa em uníssono. Só The New York Times não usou, preferindo o tempo "ícone pop".
Fiquei pensando na ironia assustadora por trás disso, e no fato inquestionável de que a morte fez muito bem a Michael Jackson, pois, assim que foi declarado morto, sua carreira ressuscitou, seus discos voltaram a ser fenômenos de vendagem no mundo inteiro, tudo foi esquecido, tudo foi perdoado, e agora até as crianças podem se encantar com a figura do 'Rei do Pop" sem medo de uma "contrapartida afetiva inadequada" dele.

"Rei do Pop"?
É inegável que, sem a ajuda inestimável do genial maestro, arranjador e produtor Quincy Jones, Michael Jackson jamais conseguiria deixar de ser um artista do segundo time da soul music da Motown para assumir um posto no Olimpo Pop. Quincy mostrou a Michael o caminho das pedras e explorou todas as possibilidades mercadologicamente viáveis que ele tinha para oferecer. Deu no que deu.
O primeiro disco de Michael Jackson sob a tutela de Quincy, 'Off The Wall", ainda guardava ligações estreitas com a herança da música negra da Motown, mas de 'Thriller" em diante essa herança se dissipou em meio a todas as tendencias musicais em voga no início dos anos 80, resultando num produto pop absoluto, que não tinha mais cor ou origem, e que estava voltado para um alvo muito amplo e abrangente -- que, para surpresa de muitos, terminou atingido de forma plena e absoluta.
Claro que, assim que Quincy Jones se desvinculou de seu papel de produtor, o declínio de MIchael Jackson foi inevitável. Seus discos ficaram tão pálidos quanto sua pele, e sua insistência em se afirmar como compositor -- a partir de "Bad" -- só serviu para revelar ao público onde seu talento falhava, e de forma gritante.

Enfim, foi melhor para Michael Jackson sair de cena assim, sem aviso prévio.
Se embarcasse nessa sequência de 50 shows caça-níqueis em Londres, certamente teria sido acompanhado passo a passo pelos implacáveis tablóides britânicos, incomplacentes com suas esquisitices infantilóides, suas idiossincrasias sexuais e seus mais que prováveis acessos diários de estrelismo -- além, é claro, das inevitáveis bizarrices.
Pois agora acabou: "Wacko Jacko" está morto e enterrado.
Já Michael Jackson, o "Rei do Pop" -- com ou sem aspas --, permanece. Sabe-se lá até quando.

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