terça-feira, 30 de junho de 2009

PRÓXIMO CORINGA - GILSON DE MELO BARROS



GILSON DE MELO BARROS
é teatrólogo, cineasta, artista plástico e professor universitário.


Ás Especialmente Convidado
ARMANDO CATUNDA (fotógrafo)




QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 6 de Julho, em novo horário, 19 horas
Reprise Terça, dia 7 de Julho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

Carta a um amigo jornalista que adorou o filme do Simonal (por Chico Marques)


Acabo de ler o artigo que você escreveu sobre o documentário do Simonal, e queria fazer algumas colocações.

Primeiro, o filme não diz, mas o Simonal estava em queda de popularidade no final dos anos 60 para os 70. "Alegria Alegria 4" foi seu último best-seller. Seus dois discos seguintes na Odeon, "Simona"(1970) e "Jóia Jóia"(1971) venderam pouco. Como seu contrato encerrava com esse último disco, e as relações entre as duas partes estavam desgastadas, Simonal tentou contornar um fiasco ainda maior pedindo ajuda a seus amigos no Poder para pressionar a Phillips a contratá-lo, e consta que foram oferecidas certas facilidades para os artistas perseguidos do elenco da Phillips em troca desse favor. André Midani conta como foi essa saia justa no livro dele, mas não entra muito nos detalhes. O pouco que conta, no entanto, já é bem revelador.

Mesmo com sua carreira caindo pelas tabelas, Simonal gravou dois discos espetaculares para a Phillips em 1972 e 1973, que -- ao contrário do que eu imaginava -- foram bem promovidos pela gravadora, mas simplesmente não emplacaram. Depois seguiu para a RCA, que "ofereceu" um belo contrato para mais 3 discos, que ele gravou entre 1975 e 1979, todos de altíssimo gabarito, e que também não emplacaram. Foi só da segunda metade em diante do governo Figueiredo, quando começou a rolar a Abertura, que nenhuma gravadora "ofereceu" mais contratos de gravação para Wilson Simonal.

Ou seja, Simonal não foi calado por ninguém. Cantor que é calado, não grava. O problema com Simonal é que, mesmo apadrinhado pelos milicos, ele não conseguiu peitar o desinteresse crescente do público pela figura dele. Se aquele caso terrível com seu contador não tivesse acontecido, a carreira de Simonal provavelmente teria seguido de forma bem "low-key", semelhante à que o Jair Rodrigues teve dos anos 70 para cá.

Agora, a grande canalhice desse documentário está na tentativa de mascarar um registro nitidamente oficial, apoiado e autorizado pela família, como um "esforço investigativo independente". Curiosamente, todas as pessoas que estão cuidando da promoção no filme na Imprensa são "ex-funcionárias" da Trama Discos, da família Szajman, que comprou de uns anos para cá os direitos dos fonogramas do Simonal da Odeon. Não conseguiram ainda comprar os fonogramas que ele deixou na Philips e na RCA. Por conta disso, excluem esses discos das discografias oficiais que distribuem para blogueiros recém-enviuvados pelo Simonal espalhados por ai, para tentar subdesvalorizá-los no mercado....

Quer saber? Para mim ele foi dedo-duro mesmo. O Sérgio Fleury -- que era tudo menos burro -- deve ter dado sumiço na pepelada que o comprometia diretamente com dedurismo, para com isso facilitar o arquivamento daquele processo que o colocou em cana por 9 dias. E o resto é apenas proselitismo barato muito bem conduzido pelos advogados da Família Szajman.

Ou seja: Simonal tinha telento, mas não valia nada.

Um abraço

Poemas que Fugiram da Gaveta (por Armando Catunda)



BALADA BEAT (Junho 2003)

Agora eu ando pelas ruas de um Gonzaga imaginário.
Volto a não ter nada como nas antigas madrugadas
Apaixonadas, em que caminhava protegido
Por um velho guarda chuva e por coturnos
Um número maior do que meus pés.
Pela alameda que ladeava o canal
Deserto e molhado, em pleno mal secreto.
Procurava alguma coisa dentro de mim, não fora
E caminhar era só um eco da batida do meu jovem coração.
Ia até a praia escura sem lua e sem a luz nojenta
Que o medo e a cretinice fizeram os prefeitinhos instalar.
Medo dos assaltos e das fodas que quebravam a rotina à beira-mar.
Andava até onde as ondas começavam a invadir a amurada,
Minha passarela úmida, e lá parava olhando o longo mar.
Ouvindo seu barulho que apagava o som dos carros
Que cruzavam a avenida àquela hora.
Às vezes ouvia um Bob Dylan, antes de partir
Nas baladas solitárias, Lay Lady Lay, levava
No espírito esse estado de poesia.
Depois dava às costas para o mar com suas ondas que saíam do nada
E vinham brilhantes, roubando qualquer luz que pudessem no caminho,
Para se acabar na areia escura. De cócoras, sob a sombra do enorme
Guarda-chuva de meu pai, mesclava-me na noite molhada,
Escondia-me como um caramujo em sua casca,
Protegido de qualquer olhar,
No esconderijo de sombra que inventei.
Abrigado, espiando a luz dos prédios altos, rodopiava
Sempre de cócoras, sobre a base sólida dos coturnos militares,
Meu pedestal no qual, eu, estátua camuflada,
Espionava o mundo adulto, o mar escuro.
Sempre este antigo prazer que me acompanhou a vida toda
O de poder, estrategicamente, ver sem ser visto: sentinela de mim mesmo.
Depois voltava, lentamente pelo caminho das alamedas iluminadas
Vendo as antigas, enormes e lindas árvores
Refletidas nas águas lodosas do canal.
Andava então por ruas transversais, circundava quarteirões, e voltava
Sempre e cada vez à linha mestra, rota, rua,
Canal e trilho do meu louco e desatinado trem.
Depois parava embaixo do prédio onde no alto uma menina
Fútil e linda, por quem eu era loucamente apaixonado, dormia há horas.
Lá embaixo olhava, olhava muito tempo para cima,
Para o inalcançável amor. Depois partia
Ansiando que outro dia rapidamente chegasse e eu
Pudesse ir vê-la nos locais que freqüentava
E me esnobava. Eu nada sabia do desejo que me arrastava pela
Coleira, que todo apaixonado usa, como um cão.
E continuava a andar por horas sem nada entender do que se passava comigo,
Nem quem eu era,
Porque havia perdido o controle de mim mesmo.
E nunca antes a fronteira da adolescência, infância e idade adulta
Foram tão difusas e confusas.
Agora eu ando por um Gonzaga imaginário
Mais uma vez absolutamente solitário,
Rodado como um velho táxi onde amigos incríveis viajaram,
Onde namoradas e malucas malharam, fumaram e gozaram
Como buzinas no rush do planeta.
Levo no porta luvas, todos os mapas que nunca abri
E todos os livros de poesia que li, reli e elegi.
E o meu rádio irradia a melhor música:
Meu pão, meu pau, meu sal.
Na lataria de baixa qualidade, musgos e marcas
De pequenas maldades, alegrias,
Deselegâncias, insights fulminantes, alergias.
Agora se misturam em meus olhos multifocais
Os locais que existem e os que não existem mais.
Ando à toa, sem buscar nada, nenhum prédio
Que esconda a sensação terrível e inesquecível da paixão.
Vou levado por um velho e calejado coração
Que vadia calmamente sem dono,
Novamente como um cão,
Sem eira nem beira,
Nem coleira.



MEU ALEPH (para Borges)

Vi o interior das conchas,
Que forravam praias inteiras,
No litoral paulista.
Vi os instrumentos de tortura,
Tão inúteis na arte de eliminar idéias.
Também vi os instrumentos musicais
Das aldeias ainda não descobertas
No coração da selva amazônica.
Vi suas festas, sua repugnante comida
E as tintas tão belas com que se transformam
Em seres mais coloridos do que os pássaros.
Vi todos os pássaros.
Vi as celas dos homens
Que atravessam a vida em plena ascese.
Os iogues perfeitos em samadhi.
Vi os Budas e os bordéis.
Todas as acrobacias sexuais,
Todas as lascívias.
Vi a maquiagem pesada daquelas mulheres,
Seu falso orgasmo
E sua incurável solidão.
Vi dois adolescentes transfigurados pelo amor.

Vi um peso raro de cristal,
Rolar de uma antiga escrivaninha,
Para no chão se espatifar em centenas de fragmentos,
Como uma estrela explodindo.
Rosebud!
Vi Cidadão Kane e todos os filmes.
Vi a surpresa dos que nascem
E dos que morrem bruscamente.
Vi sua lenta decomposição até o nada.
Vi o sol que são os olhos das pálidas parturientes.
Vi vergonha, estupros e dor
Disseminados pelo mundo.
Vi todos os bailes do planeta.
Todos os músculos do corpo expandindo-se
Nos esportes.
Vi a secretíssima biblioteca do Vaticano.
Vi os abrigos antinucleares.
Os desertos e suas serpentes.
A alegria dos que chegam ao oásis.
A lua sobre o caravanserai.
Vi um preso que há dias da execução
Sorria em seu sonho, na prisão.
Vi os escritores atravessando madrugadas,
Febris, em seu ofício solitário.
Vi mulheres magníficas.
Pérolas. Venenos que fulminam
Sem deixar seu traço.
Vi o universo absurdo dos insetos.
Ursos polares. Águias.
Panteras escondidas na folhagem.
Vi meu filho e o filho de meu filho
Enfeitando a minha lápide
Com uma flor vermelha.
Depois não vi mais nada.



CHAT S.M

Nos encontramos em um lugar escuro,
E entre nossa curiosidade e ânsia,
Havia um muro
De desconhecimento e desconfiança.
Era uma espécie de inferno
Aquela sala
Onde queimavam
Falas, falos,
Parceiros incompletos.
Na cegueira que a todos atingia
As imagens sensuais, infames
E perversas, prosseguiam
Como um cachorro louco
Servindo de guia.
As mentiras eram
Iscas vivas
Em um tanque onde
As águas turvas
Escondiam na merda e creolina,
Possíveis turmalinas.
Onde mulheres velhas se passavam por meninas.
Onde impotentes se faziam garanhões.
Através da longa madrugada,
Nos dedos atolados no teclado,
O tato ausente,
Solidão.
Na tela hipnotizante e clara,
A cela rara
Onde os desejos latiam enjaulados,
Na ilusão do lado a lado,
De acabar a besta busca,
Achar um porto na alegria,
Saciar a fome louca
Que nunca se sacia.



MINÉRIO

Meu amor não é animal,
É mineral.
Desaparece no tempo,
Lento e solitário.
Minério,
Mergulha no rio do sangue:
Imerso,
Imenso e alucinado.
No lado escuro da lua.
Pérola na noite da concha.
Calado atravessa o tempo.
Calendários caem no lixo
E ele segue inalterado.
Como uma pedra rolando,
Meteoro abandonado.
Trem bala sem passageiro
Ou metrô desabitado.
Submarino, secreto.
Adormecido naufrágio
Que emerge como relâmpago.
A consciência: uma praia.
Algum som o trouxe à tona.
Algum gesto, riso, cheiro...
Algum sonho já sonhado.

Roll Over Guttenberg, Tell Citizen Kane The News ou A Morte Anunciada do Papel Impresso (por Chico Marques)


No final dos anos 90, quando engrenagens como o Napster e o AudioGalaxy Satellite surgiram na Rede Mundial de Computadores, poucos foram os Capitães da Indústria Fonográfica que perceberam que aquilo era o começo do fim das mídias físicas, e o início de uma era pós-industrial para a música gravada.

Não deu outra. Dez anos mais tarde, esses Capitães da Indústria Fonográfica estão quase todos desempregados, e quem mais vende música no mundo inteiro é o serviço online iTunes Music Store, da Apple Computer -- que, diga-se de passagem, nunca precisou se preocupar em monopolizar o mercado, apenas acreditou na falta de visão das gravadoras e na viabilidade comercial do formato mp3 no momento em que ele surgiu. Hoje, colhe merecidamente os frutos desse pioneirismo.

Pois bem, agora é a Indústria Editorial que segue pelo mesmo caminho.

Partindo do pressuposto de que livros, jornais e revistas de papel são antiecológicos -- e, consequentemente, politicamente incorretos --, empresas gigantes de webserviços como Amazon e Google, que muitos julgavam inofensivas até bem pouco tempo atrás, agora começam a botar as manguinhas de fora, e a tirar o sono dos setores mais conservadores do meio editorial.


E a grande revolução no setor chega através do Kindle, o leitor portátil de livros, revistas e jornais eletrônicos da Amazon. Custa algo em torno de 350 dólares, e ainda não caiu no gosto do grande público.

Mas isso deve mudar muito em breve.

Mês passado, todos os editores de jornais e revistas nos Estados Unidos celebraram com bastante estardalhaço a chegada de uma nova geração de KIndles, o Kindle 2, com tela bem maior, adequada à leitura de jornais eletrônicos.

Estima-se que o KIndle 2 deva impulsionar a venda de assinaturas eletrônicas de jornais e revistas para muitos novos usuários, e permita que esses editores de periódicos consigam finalmente sair do vermelho em que estão desde que teve início o colapso comercial de suas edições impressas.

Ou seja, foi a web que levou essas empresas ao buraco. Agora, a salvação para essas empresas vem justamente da web.

Quem apostou que a imprensa escrita e analítica fosse sucumbir em meio a tantos avanços tecnológicos, apostou errado.


Negar o potencial do Kindle e as novas perspectivas que ele abre para o setor editorial é uma atitude tão anacrônica quanto suicida em termos empresariais.

Curiosamente, quem leva vantagem nessa virada de mesa é o consumidor final, que vai poder consumir mais livros, já que os preços tendem a cair vertiginosamente, na medida em que deixam de existir os custos de impressão e de distribuição, que oneram brutalmente o preço final do livro impresso.

Claro que o eventual sucesso do Kindle deve matar boa parte das livrarias que se encontram hoje no mercado, assim como a expansão do MP3 matou muitas lojas de discos. Mas, acreditem, não se perde grande coisa.

Hoje em dia, quase todas as livrarias funcionam da mesma maneira que as bancas de revistas. Recebem todos os livros consignados das editoras. Se vender, vendeu. Se não vender, basta devolver tudo para a editor seis meses depois. O valor do encalhe já vem projetado no preço do livro ao consumidor final, que paga a conta toda sem saber, e sem poder sequer contestar o custo abusivo de um livrinho qualquer.

Graças ao Kindle, essa política de preços cruel que vitima o bolso do consumidor final está com os dias contados.

Para se preparar para uma eventual explosão de demanda de livros pelos usuários do KIndle, o Google lançou dois anos atrás a versão beta de sua engrenagem Google Book Search, capaz de acessar gratuitamente versões (em inglês) de mais de 5 milhões de livros, todos de Domínio Público -- ou seja, escritos há mais de 85 anos.

Muitos editores já se renderam às evidências de que o futuro do meio editorial passa necessariamente pelas mãos do Google e da Amazon, e estão digitalizando seus títulos para poder vendê-los em versões eletrônicas assim que engrenagens como o Google Book Search deixem de ser beta (experimentais) e passem a ser alfa (comerciais), cobrando assinaturas ou vendendo downloads de livros completos.


Aqui no Brasil, apenas três editoras estão apostando nesse processo pós-industrial: Companhia das Letras, Zahar e SENAC.

As demais preferem se dedicar à choradeira, pois não conseguem disfarçar o quanto estão inconformadas com a morte anunciada de sua galinha dos ovos de ouro: justamente as obras de Domínio Público, que dispensam pagamento de direitos autorais aos familiares dos autores, e correspondem a 60% do faturamento global do setor editorial.

Bem feito para quem achou que o Google pretendia ser apenas um serviço de buscas enciclopédicas.

Bem feito também para quem subestimou a Amazon, tratando-a como uma uma weblivraria qualquer.

Agora durmam com um barulho desses.

Clarice Lispector: Roteiro do Insondável (por Flávio Viegas Amoreira)



MONÓLOGO A PARTIR DE DIÁLOGO IMAGINÁRIO COM CLARICE LISPECTOR

Clarice , o desejo é um risco bom; não tenho para onde voltar depois da liberdade : e a liberdade me joga no redemoinho da paixão. Apesar de ter a doença dos sentidos demais aguçados, elevo-me ao Himalaia desse amor que me perfura : estou em estado de insatisfeito: o amor é coisa intraduzível, mas reparto fragmentos de compreensão: o que importa é que eu não saia ileso . O desejo por onde começo a dizer que quero estar nele, ser por ele, contaminar-me de sua pele é uma aprendizagem. Desejo é a palavra mais linda em qualquer idioma: desejo como quem aprende a andar depois do parto de estar no mundo sem escoras: lanço-me ‘a ele o: Desejo. Agora ele tem cara: semblante de pedra. O amor é pedra onde cinzelo / quanto mais miro, mais turvo, embaço, mas não me cego: a pedra é o impossível que alcanço , o mais próximo do impossível, Clarice , é o homem impreciso: o amor por ele é sufocador, mas continua vago. Quero viver de tesão com o mundo: nunca ser indiferente , mesmo com ódios passageiros. Amargura é dor carnívora. A felicidade dói, machuca : é um peixe elétrico, viceja. No meu sofrimento há um pátio ajardinado que rego: retenho esse meu afeto e nele acho uma fresta no sufocamento. Não, não Clarice! A nudez desse homem não me basta: é o entendimento do tempo que tiro dele ‘a fórceps o que me sustenta: forjo o que amo, ele vem depois do que já intuía. Sabia desse amor em algum lugar do instante: agora que encontrei a face do meu delírio, remo na maré do próprio dilúvio que joga-me como arca: esse meu amor exige criar um Universo de coisas inexistentes. Abri a porta a um monstro marinho, colhi açucenas de puro aço, injetei força em minha medula adormecida de silêncio: cerrei minhas mandíbulas e segui farejando o absurdo. O amanhecer é improvável, a morte agora é não mais tê-lo: agarrei-me ao amor, ‘a pedra, ao homem: não me rendo até o último gozo desse santo suplício. O homem onde pouso o espírito é um mar que corre nas veias: sabor de maresia que imanto. Amor , Clarice, é impregnar-se de uma galáxia por dentro. Ele é vasto, já não mais pedra o amor: o desejo é montanha: é vereda, eu pastoreio e rebanho. Há uma geologia íngreme no subterrâneo: na psicologia dos meus dedos : ilumino com a espera as cavernas que ele me causou: escrevo-te Clarice para encontrar o silêncio. Não tenho mais forças para lutar contra o insondável: arrebenta em meu peito acanhado um Atlântico de ondas vertiginosas que me jogam contra toda realidade: a realidade é um sonho que me esqueceu. Estou em estado de praia, de rebentação: o abissal penetra-me agora : tenho coragem de ir ao fundo da coisa que sou eu, mas o eu espalhou-se. O amor reconhece a verdade não no coração , mas na imaginação da felicidade: o coração mentiu muitas vezes e agora não tenho altura para o abismo. Eu vi a Beleza e ela não me cansa de lágrimas: penso conceber o que se passa entre mim e o jogo, mas eis caído num lance inesperado. Eu quero esse amor mais do que o infortúnio de seu desprezo: a questão é o que fazer quando o amor secar de cansado: umedeço . Sei que existe a plenitude dum mergulho, da rosa, do ocaso do Sol no outono: procuro a plenitude Clarice, e lastimo que tudo concorra para desfazer-se: afogo-me, a flor despetala-se saudosa do caule e o crepúsculo me enche de terrores : não é a morte que tememos, é a finitude. Dizer-te torna-me menos fantasma de palavras: o Destino se interpôs em nossa conversa: o que não é memória é hiato , estou desvelando o amor pela fala : sou impelido a dizer, a tentar reproduzir abstrações tão concretas quanto a lâmina que me fere de não poder: amar tornou-se uma prece de fora para dentro: uma liturgia do recôndito, uma celebração visceral do incompleto, não estou conformado com amputação da minha Alma. Perco-me : sou fluvial, cedo ao leito rubro : navego na torrente precipitando-me desabrido: só não transpasso: essa é a causa do meu desespero sem descanso : não transpasso por nosso espírito não penetrar-se em coito: eu o tenho sem ter, Clarice, o corpo não é ainda o amor, a carne é movediça, meus olhos não fixam o delírio: a fatalidade dessa paixão é não poder ser totalmente outro por inteiro e o inteiro descobri de modo terrível: ele não se permite, o inteiro não existe. Aprendi a trepar com outra Alma. Há essa selva entre o real e o simbólico: toda atmosfera submarina aterrada surta e endoido sem loucura : esse o drama que me alimenta e implode: a paixão é composta de razão excessiva, mas há outra face da razão: a posse do impalpável. Ele é a fruta e o paladar da fruta: minhas vísceras contêm também sua polpa: eu consisto em ser por ele sem estar nele contido : por que não vem a palavra que encerre a angústia: onde adquiro a fragrância do Eterno? Evito-me as vezes: escapulo de mim, foragido de algum espelho ancestral, busco onde não encontrar o que me foi perdido sem ser percebido. Perceber é longo demais: quase nada tem um diagnóstico certeiro além da própria dor e do grito. Uma vez achei o perfeito : era invisível aos olhos desatentos.: o perfeito é quando sentimos não mais querer sentir: dormindo eu sinto, mas quero a dor desperto... o perfeito é rápido como um raio bruto ou a saudade em estado de anestesia. A maçã não amadurecida quedava distendendo-se ao meu apetite: um esplendor! o diabo, Clarice , é a espera da colheita. A culpa de todo meu amor é não contentar-me em ser sóbrio de luz: exorbito implorante: emociono de deixar ele entrar: não amo toda parte, sou raro e apartei um alvo: só me chamo Eu quando ele me afaga: sou Eu quando mais não for além de Eu , ele por dentro tatuado. Ele estendeu o braço e lembrei de ti Clarice, quando dizias sobre os amantes: eu disse a ele “sou tu e eu é tu, nós é ele”. Amo romper a gramática como um dique não contendo a represa : amo em azul , amo num azul muito delicado, o azul cobalto. Agora desnudo o que antes inexistia. Despojo-me do que antes não tinha: me totalizo: desnudei-me numa clareira da floresta escura: não fugir da sombra é o maior sinal de luz / a raiz sofre ao rasgar-se semente : da unidade ao fragmento, deitamos sementes de nossos corpos-raízes: sou primordial : tornei-me bromélia: o poeta mora onde se entrega amor . a pedra subjaz: dissolveu-se sedimento liquefeito. Esquecer é não ter vivido: se não tivesse nascido por onde perambulava o que é em mim existido? Clarice, estranho-me: : quem somos quando escrevemos? a máscara ou o rosto distorcido? Tenho a memória da terra , o Mar ejacula / corrosão da pedra / pomo / faca sem gume / fui alcançado por um distanciado farol da torre : eu presumo, não penso: pensar é certeiro, e nada acerta quando buscado: o sentido é outro que o da fonte . Sou amado como seiva esvaída em transe: os ossos desse amante salgam minha pele distendida : castelo de proa / assovios de navios na noite do Tempo: é noite do Tempo: o Espaço é clarabóia / mansarda acolhendo Vida: o que é Vida , Clarice ? senão rastilho de pólvora. Confesso um segredo com meus membros em água viva: Clarice, confesso : meu amor é um navio sem rota cortando caminhos por minha artérias de zinco: cada célula de que sou composto , tem um núcleo exalando sentimento. Esgotarei a existência até a última seiva e haverá gotas que jorrarão meu Eu e o amor que experimentei nos elementos : nosso acalanto terá aparência de ciclos entre a chuva e o trovão. Escrever é poder dizer num relógio d´água tudo que não sei explicar: precipito-me de novo ao penhasco: queria tornar-me Oceano para libertar-me da paixão: rasgo com meus músculos impotentes o cruel muro da prisão: a paixão por ele tem sido minha prisão. Todas paixões são prisões: recomeço escalar o muro : o penhasco : agora quero ser calmo : quero ser contemplação: cansei da paisagem: eu o carrego amando sem mais muros. Conheci o amor numa tarde: agora meu futuro é sempre 2 horas da tarde. Alcancei a esfera: a esfera, o círculo que não domino não sou mais eu, nem ele que ainda amo, o cerne, a essência é a busca da libertação, estou no aprendizado da libertação, Clarice: libertação é espremer o que passa: busquei o total, o total não fica nunca pronto: então choro com o milagre do que passa: dos amassos que dou na existência: transo de espírito para o espírito : o dele é azul também. Dois nunca são um; amor é areia que junto para arquitetar um castelo que desmancha, mas ainda assim volta a ser Oceano-Mar. Somos rochedos vizinhos: o sal semeia esbatendo em nossas ilhas que se lambem de partida. Rochedos, mesmo assim seremos misturados de areia. Não somos mais ilhas: contemos um no outro: somos agora continente.



Fotos de Paulo Von Poser
Cenografia e instalação do artista plástico Maurício Adinolfi
Apresentação no Sesc Santos

Flávio Viegas Amoreira é escritor santista; já editou 5 livros pela 7 Letras sendo o mais recento o romance: Edoardo, o Ele de Nós. E-mail: flavioamoreira@uol.com.br

LITORAL FM - 29 de JUNHO de 2009 (com CARLOS CONDE)



Foto: ROSANA CASTRO

sexta-feira, 26 de junho de 2009

PRÓXIMO CORINGA - CARLOS CONDE


CARLOS CONDE é jornalista, advogado e professor universitário. 

Como jornalista, completa este ano seu jubileu de ouro. Trabalhou em A Tribuna, nos Diários Associados, na Última Hora (de Samuel Wainer) e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi Vice-Presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Atualmente,  é colaborador senior do Caderno de Cultura do jornal Clarin, da Argentina. Ganhou o Prêmio Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro, pela divulgação de documentos secretos do Brasil e da Argentina a respeito da guerra diplomática por causa hidrelétrica de Itaipu. Além disso, lecionou Jornalismo na UniSantos e na Casper Líbero, em São Paulo, a pioneira das Escolas de Comunicação do Brasil (1949).

No momento, está finalizando a biografia de João Antunes dos Santos, patriarca do grupo santista Alemoa, e já começa a esboçar seu próximo projeto: a biografia do grande artista plástico santista Mário Gruber.

QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 29 de Junho, em novo horário, 19 horas
Reprise Terça, dia 30 de Junho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

LITORAL FM - 22 de JUNHO de 2009 (com ANTONIO EDUARDO DOS SANTOS)



segunda-feira, 22 de junho de 2009

PRÓXIMO CORINGA - ANTONIO EDUARDO DOS SANTOS


ANTONIO EDUARDO DOS SANTOS é pianista, 
musicólogo e professor da USP

ÁS ESPECIALMENTE CONVIDADO: 
GILBERTO MENDES


QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 22 de Junho, em novo horário, 19 horas
Reprise Terça, dia 23 de Junho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

LITORAL FM - 15 de JUNHO de 2009 (com RODOLFO NEUMANN)

PRÓXIMO CORINGA - RODOLFO NEUMANN

RODOLFO NEUMANN é especialista em canoa havaiana 
e aventureiro profissional

ÁS ESPECIALMENTE CONVIDADO
EDUARDO CALDEIRA


QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 15 de Junho, 18 horas
Reprise Terça, dia 16 de Junho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

LITORAL FM - 8 de JUNHO de 2009 (com MÁRCIA ATYK)

PRÓXIMO CORINGA - MÁRCIA ATYK


Márcia Atyk é psicóloga e terapeuta sexual


QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 8 de Junho, 18 horas
Reprise Terça, dia 9 de Junho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

LITORAL FM - 1 de JUNHO de 2009 (com EDUARDO PAULINO)