quarta-feira, 22 de julho de 2009

Lux In Tenebris (por Flávio Viegas Amoreira)

Fazem nas trevas do dia
Ao correr da noite escura
O que tem na natura.
Sempre voltam ao início.

Nela o vício é a virtude
E a virtude é o seu vício.
Cada um , em seu ofício,
Metamorfose produz:
Das trevas acendem luz.

[poema de monge irlandês do século IX , tradução professor Paulo Ferreira da Cunha, Universidade do Porto]



Na aurora do cinematógrafo o espanto: a caverna de Platão ao avesso: a retenção possível do Devir, a apreensão imanente do atemporal estava ali na salinha escura avessa ao ´néon-fake´ das metrópoles que regurgitavam ilusão ,

´Maya´ entre o burburinho das ruas. Muita luz, muita sombra: Lumiére alumiando o cotidiano além do mimetismo: cinema como fenomenologia do espanto encantatório do instante. Em ´´Hanna e suas irmãs´´, o personagem de Woody Allen tenta todas as crenças religiosas e alternativas terapêuticas para a dor de existir: a beira do suicídio, entra na ´´treva´´ aparente duma matinê novaiorquina e revela-se a luz : uma fita dos ´´Irmãos Marx´´ servem como ´´rosebud´´ ou ´´madeleine proustina´´ para sua redenção. Epifania: há uma claríssima dicotomia entre o simbolismo carregado de significados extraídos das telas e o esvaziamento de sacralidade no prosaico universo consumista e estupidamente hedonista do ´´ mundo-lá-fora´´. Sinto-me como numa catedral laica, numa clareira aconchegada quando me rendo ao eterno presentificado ao assistir ´´O sétimo selo´´ ou ´´Morte em Veneza: a luz se faz com Bergman e Visconti pontificando feito sumo sacerdotes da Fé dos sem crença transcendente: Arte! E quanto de Arte reunida projetando imagens e diálogos como quem lê a ´´Divina Comédia´´ ou ´´Moby Dick´´ desconstruídos magistralmente em Murnau ou Dreyer : se o século XX deixou legado, creio que foi o cinema sua maior contribuição tendo Chaplin como um Shakespeare

para platéias múltiplas na sua variedade de formas e conteúdos liricamente estilizados. Heresia comparar o bardo inglês ao ´´genial vagabundo´´? Tão pertinente quanto revisitar ´´Amacord´´ com olhos de quem percorre Bocaccio... A arte cinematográfica é a que mais se aproxima do mito prometéico de tomar a tocha de Zeus: planos sequencias, ´zoom ´, montagem:

é na elaboração da perspectiva filmada que mais rebubinamos a cosmogonia e a gênese : no começo Mélies fez do Verbo : luz em sinestesia, câmera e ação!

´´Long shot´´ ou ´´Big Close´´ : o cinema esquadrinha a natureza humana com enquadramento que a fugacidade opaca da modernidade já não dessacralizou.

Cinema como liturgia, êxtase sensório, orgíaca plasticidade para minhas retina nada fatigadas. Recorro ‘a Heidegger para transplantar ontologia a minha intimidade com a Sétima Arte: ´´Clarear algo que dizer: tornar algo leve, tornar algo livre e aberto, por exemplo, tornar a floresta, em determinado lugar, livre de árvores. A dimensão livre que assim surge é a clareira. O claro, no sentido de livre e aberto, não possui nada de comum, nem sob o ponto de vista lingüístico, nem no atinente ‘a coisa que é expressa, com o adjetivo ´´luminoso´´ que significa ´claro´. Nunca, porém, a luz primeiro cria a clareira; aquela , a luz, pressoupõe esta, a clareira. A clareira é o aberto para tudo que se presenta e ausenta. ´´ O cinema não como lume, sim ´numinoso´:

algo que redefino apartir do natural ´ reproduzido´ e que desdobro em miradas retidas no esforço em que me perco, a errância que ´paraliso´ num ´spot´ ou ´flash´ recobrado. A técnica ‘a serviço da civilização que não ´desnatura´ ou ´desumaniza´: facho que tira do pó e lança pontes ‘a literatura e ao teatro:

além da perspectiva renascentista serializada. O cinema indústria, entretenimento ou refulgência definido sem ilusões grandiloqüentes por Paulo Emílio Salles Gomes: ´´A história da arte cinematográfica poderia limitar-se, sem correr o risco de deformação fatal, ao tratamento de dois temas, a saber, o que o cinema deve ao teatro e o que deve ‘a literatura. O filme só escapa a esses grilhões quando desistimos de encará-lo como obra-de-arte e ele começa a nos interessar como fenômeno. Não é na estética, mas na sociologia que refulge a originalidade do cinema como arte viva do século.´´ Quanta lucidez do mestre Paulo Emílio! Contradiz-se por saber inconclusa qualquer ordenamento estanque do que seja Cinema: mas enfatiza seu maior predicado enquanto Arte que soma, desnuda-se e deita raízes cromático-prismáticas:

o Cinema em seu âmago ´refulge´! A angústia da folha em branco ao escritor é

a luta do cineasta da sombra ao copião: o diáfano, o informe dissoluto pede ser clarificado pelo amalgama entre intelecção e sensibilidade captada por negativos imagéticos do nada que ressurge do vazio preenchido e resignificado: holofotes são alegorias solares. ´´O artista (...) excede os estados perceptivos e as passagens afetivas do vivido. É um vidente, alguém que se torna. Como contaria ele o que aconteceu, ou o que imagina, já que é uma sombra? Ele viu na Vida algo muito grande, demasiado intolerável também (...) fazendo estourar as percepções vividas numa espécie de cubismo, de simultanismo, de luz crua ou de crepúsculo, de púrpura ou de azul, que não tem mais outro objeto nem sujeito senão eles mesmos.´´ Diz Deleuze sobre

arte como retenção ou evasão apartir da obra em si: o contraste entre o ensolarado em meus olhos marejados e o choque com o horizonte diante de meu destino fora da sala de projeção. Nenhum impacto é maior que ser espectador numa cidade de praia, mar, cais: duas atmosferas telúricas magistrais: a solitude partilhada numa sessão quase vazia e o fim de tarde indagando: onde é mais Vida a Vida? Diante da tela ou do marulho do Oceano? O claro-escuro, o ´sfumatto´ resgatam-me o insondável: ´´Frankstein´´ de James Whale, o ´´film-noir´ básico: ´´Laura´´ , o ´gran-finale´ de ´´Sunset Boulevard´´ com Gloria Swanson entre luz e trevas na grande metalinguagem de Hollywood, - a dança enlouquecida de Peter O´Otole em ´´Lawrence da Arábia´´, a interpretação bizarra de Bette Davis em ´´Baby Jane´´ ou o recente clássico de François Ozon : ´´O tempo que resta´´ são fitas que me tornam obsessivo: Cinema é fundamentalmente obsessão do olhar pelo excesso de sensibididade posto nele: o olhar, a imagem. ´´Despertar´´, reconhecimento da verdadeira identidade da alma:

´anamnesis´: retorno a paraíso perdido, o Cinema é como o Oceano para mim:

útero apaziguador ou erotismo da visualidade que me penetra epidermicamente. Na literatura me busco, através do cinema, por ele:

me perco achando, tão ou mais profundo. Meu cérebro além de máquina de escrita, faz-se luz como neurônios tragados cinética e cinematograficamente.




Flávio Viegas Amoreira é escritor, crítico literário e jornalista

Ilustração 1: tela "Peixe Azul" de Maurício Adinolfi
ilustração 2: fotograma de Gloria Swanson no filme de Billy Wilder, "Sunset Boulevard"


publicado originalmente no blog CURTA SANTOS

A Beleza Fácil e Definitiva de Ceumar e Sua Música (por Julinho Bittencourt)



Se o Brasil procurava uma nova dama da canção, achou! Com uma carreira que começou em 2000, com o lindo disco Dindinha, a cantora mineira Ceumar traz todos os requisitos para ocupar o posto de grande diva da nossa música.

Tem um repertório novo, inteligente e bem elaborado, sua voz é límpida e linda e, como se não bastasse isso tudo, ela também é dona de uma beleza fácil e definitiva, daquelas que prescinde dos truques das roupas e dos salões.

E, só para deixar tudo isso mais claro, chega a Meu Nome, seu quarto disco, com duas inovações corajosas. A primeira se desdobra em duas, ou seja, é um disco ao vivo onde ela se apresenta apenas com seus violões. A segunda, tão ousada quanto, fica por conta do repertório. Desta vez ela gravou somente canções suas, algumas em parceria, mas a maioria dela mesmo.

Para quem chegou no cenário cantando coisas que vão de Sinhô a Zeca Baleiro, passando por Luiz Tatit e Dante Ozzetti, com quem dividiu o inesquecível disco Achou!, e até o grupo inglês Renaissance, um repertório inédito poderia ser perigoso e frustrante.

No entanto, ao contrário do que pudesse prever qualquer produtor mais austero, suas canções se equivalem a todo o seu talento. São brejeiras, construídas de forma mínima e certeira. Com duas ou três frases, tanto musicais quanto melódicas, resolve a questão e deixa a audiência feliz da vida.

O disco abre com Reinvento, composição cuja letra de estirpe traz para o grande público a poetisa Estrela Ruiz Leminski. E é justamente a desfaçatez de Ceumar um dos melhores ingredientes deste Meu Nome. Ao mesmo tempo em que transforma em coloquiais versos mais densos, faz com que as suas melodias transformem conversas ao pé do ouvido em construções inesquecíveis.

A partir disso, a cantora expõe em suas canções um universo tão único e, por isso mesmo, tão reconhecível para todos. Fala do filho e da mãe, da chuva e do tempo, tudo quase como quem percorre um álbum de retratos ou revê uma cidade antiga.

Segue, enfim, a nos contar histórias, ensinar cantigas e brincadeiras de roda feito um viajante que descreve seu país distante. Um lugar que, de repente, descobrimos também como nosso.

Tudo na sua música acontece de forma natural e tranquila. Talvez até por isso este formato somente com voz e violão tenha um significado maior para a carreira da cantora.

Com um tantinho de maquiagem aqui e ali, alguns poucos acordes precisos, o senso exato do ritmo e da respiração, e o sorriso aberto, ela reinventa para um novo mundo a sua canção dos folguedos e praças.

De saia rodada e intenção agreste, sua alma impregnada de asfalto canta fácil canções difíceis. Com jeito de quem escapou de um romance de Jorge Amado, Ceumar dança entre os blogs e alinhava com seu canto a eternidade. Meu Nome, assim como a sua autora, é um disco feito para sempre.


Julinho Bittencourt é jornalista e músico (ou músico e jornalista)

Garanta já o seu ingresso para a apresentação de Ceumar no domingo, 2 de Agosto, no Teatro do SESC-Santos

publicado originalmente no Trupe da Terra

Diário de Viagem (por Armando Catunda)




Definitivamente Budapeste é um livro e não um filme.
O que fica após duas cumpridas horas no cinema são algumas boas frases e a idéia de que entender profundamente um idioma estrangeiro é realmente ganhar uma nova cidadania.
A palavra é o povo.


Encontro com escritores que pretendem carregar a poesia pela vida como imagem de virgem no andor em procissão.
Outros a carregam como o frango do Nelson Cavaquinho.
Em uma história mais saborosa que qualquer penosa, a mulher de Nelson contava o episódio em que incumbido de comprar o almoço de sábado, saiu às dez da manhã e retornou na segunda por volta do mesmo horário.
Voltou um trapo,vindo de animadíssimos pés sujos e quem sabe de que quartos suspeitos.
Amarrotado, cheirando azedo, já na abissal ressaca avançou portãozinho adentro com cara de cachorro ladrão, segurando a ave meio apodrecida como um troféu, como um álibi. Foi seguido por um verdadeiro amigo, um fiel escudeiro de orgia que implorou à esposa do poeta: - Não briga com o Nelson, não. Você não sabe o que ele fez para chegar com esse frango em casa, até correr atrás de bonde onde o havia esquecido, ele correu!
Estou mais para Nelson que para sacristão.
A poesia não nasce para revestir seu autor de respeitabilidade e status social.
A poesia é o alimento debaixo do braço, do suvaco suado, enquanto a vida nos vive em suas corredeiras.
A vida é uma ladeira.


A velhice cada vez me assusta mais. Não a minha que chega aos poucos, como quem não quer nada, disfarçando.
Chega como aquele hóspede, mansinho, humilde, se desculpando pelo incômodo, mas que se aboleta na casa e quer dominá-la, apossar-se dela toda, mais cedo ou mais tarde.
Ela me assusta e horroriza por vê-la devastando aos que amo.
Arranca as rodas.
Para alguns poucos, alguns raros, restam as asas.


A pizza de boteco é uma instituição e certos bares tinham que ser tombados como patrimônio da humanidade que habita aquele bairro.
Um bom boteco tem sempre um bicheiro de plantão, um garçom tão antigo como a casa e clientes que podem ter o DNA de seu cotovelo encontrado no balcão.
Saber que a cerveja é inesgotável enche um homem de confiança no planeta.


O provincianismo é como o tempero imutável de certos pratos no almoço de domingo com a família.


Gilberto Mendes e Eliane agora tem uma cadela que come em sua mesa e dorme no seu quarto. Chama-se Mel e tomou conta da casa como fazem os espertos cachorrinhos.
Um filho ou uma filha peluda alegra a vida, faz a ponte entre nossas estressadas existências com o mundo sem pecado e sem perdão da natureza.
No final somos nós que abanamos o rabo para aquele nariz molhado, aquele amor tão sincero.


Durante o progrma de rádio "Quatro Ases e Um Coringa", no intervalo com os microfones desligados, entrevistados e entrevistadores, discorrem sobre os pepézinhos e os pepézões das grandes cantoras.
Os pés da Badi Assad são lembrados, como seres autônomos, despidos, que dançam como tuaregues, com a mesma lascívia selvagem em volta da fogueira no deserto, sob a lua.
Os de Diana Krall, sabem todos os truques da sedução civilizada. Nova-iorquinos, entronizados em saltos sete e meio, fabricam sonhos nos pedais de seu Steinway.
Dançam em salões utópicos e repousam banhando-se em cascatas de champanhe.


Foi reconhecido em uma discussão cultural de altos e baixos que o avento da segmentação literária de conformidade com a orientação sexual dos autores é uma curiosa realidade.
Por alguns foi considerado inaceitável que as Escritoras Lésbicas ganhem um espaço especial em uma feira literária e os Escritores Punheteiros não recebam os mesmos privilégios.
Abaixo a discriminação para o Quarto Sexo.


Os vendedores de Santos: um super plugado e eficiente em uma loja de tênis, uma anta letárgica em uma loja de instrumentos musicais, uma toupeira néscia tentando digitar um autor que desconhece no computador da livraria.
Fatos isolados ou o retrato de uma época?


foto: Armando Catunda

Armando Catunda é fotógrafo, escritor, ex-baterista e ex-dono de botequim

publicado originalmente em IMPRESSÕES DIGITAIS

Luta Política Santista Completa 25 Anos (por Carlos Mauri Alexandrino)




A retomada da autonomia política de Santos completa 25 anos no dia 9 de julho. Neste dia, às 11 horas e 8 minutos exatamente, o então presidente da Câmara Municipal de Santos, Noé de Carvalho, terminou de dar posse ao prefeito eleito Oswaldo Justo e declarou restaurada a autonomia municipal.

Nosso direito político mais elementar, de escolher o governo da cidade, foi duramente atingido já no golpe de estado de 1964 e seguiu trôpego até 1969, quando foi perdido de vez sob o manto dúbio da segurança nacional.

Entre um ponto e outro tivemos duas intervenções militares na cidade, perdemos dois prefeitos eleitos, que foram cassados e tiveram seus direitos políticos suspensos por dez anos, outros líderes locais foram igualmente condenados a esse exílio interno.

Fomos considerados, como comunidade, um risco à segurança do país e, finalmente, declarados como incapazes de governar nosso próprio destino.

Os santistas, que não podiam votar no presidente e no governador, como os demais brasileiros, não podiam sequer eleger o prefeito da cidade. Fomos transformados em cidadãos de segunda classe.

O caminho de volta foi uma longa luta cotidiana, demorada, árdua, arriscada durante bom tempo, aquela empreendida pela cidade até reconquistar o direito de autogovernar-se. Só em 2 de agosto de 1983, um decreto presidencial, nos devolveu a autonomia, que seria restaurada, segundo seus termos, com a posse do prefeito eleito. Vinte anos foram consumidos nesse combate.

A luta pela autonomia política de Santos confundiu-se com as lutas gerais do povo brasileiro pelas liberdades democráticas, pela libertação de presos políticos e a anistia. O eco da conquista santista chegou à própria luta pelo fim da ditadura e foi nossa maior contribuição à causa, pelo efeito midiático da eleição numa cidade impedida de votar que reconquistava esse direito, num país onde os cidadãos queriam votar e não lhes era permitido.

Desde a restauração da autonomia política, uma geração inteira de santistas cresceu e amadureceu sob condições políticas democráticas e sabe apenas do que leu a respeito ou nem isso, sobre um tempo de perigos hoje impensáveis. Época em que se podia ser preso pelo que se dizia ou pensava, pela crença política que se tivesse. Período em que se morria nas prisões, sob tortura, ou em execuções sumárias.

Soa mesmo pouco compreensível que não se pudesse eleger o prefeito da cidade, coisa corriqueira, repetida a cada quatro anos. Como fazer toda uma geração entender que mesmo esse voto doméstico é uma coisa preciosa? Que essa ação simples é um direito que exerce porque foi erigido pela força da luta de santistas de outro tempo?

Como podem os mais jovens compartilhar, sem ter vivido, a emoção de uma unidade como a que os santistas forjaram naquele combate? Foi um momento duro, mas rico, que uniu todas as correntes de pensamento político contrários à ditadura, para a busca de um objetivo comum. Como pode ter esse sentimento profundo quem viveu uma vida inteira sob o livre confronto de idéias, com cada linha de pensamento buscando sua expressão própria, como se todos estivéssemos estado sempre e sempre separados?

Talvez seja uma sina que o resultado das lutas de uma geração passe ao cotidiano da geração seguinte com tal naturalidade, que o custo e a beleza daquela vitória original sejam esquecidos com o tempo. Podemos contar a história, relembrar, fazer ver. Mas não podemos reviver sentimentos. E talvez seja bom assim.

Foto de Rafael Dias Herrera: quepes militares sobre a mesa do Salão Nobre da Prefeitura de Santos durante a posse do interventor do governo em Santos.

publicado originalmente no Jornal da Orla

LITORAL FM - 20 de JULHO de 2009 (com ZÉ SIMONIAN)


Marcelo Rosendo, Zé Simonian, Flávio Viegas Amoreira, Chico Marques, Cecília Lopes

sexta-feira, 17 de julho de 2009

PRÓXIMO CORINGA - ZÉ SIMONIAN



JOSÉ SIMONIAN é saxofonista e flautista, além de professor de música e diretor da Escola Simonian de Müsica, em Santos

QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 20 de Julho, em novo horário, 19 horas
Reprise Terça, dia 21 de Julho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz

Ouça o programa online

Vida Longa a The Dead! (por Chico Marques)


Assistir TV de madrugada sempre reserva gratas surpresas.

Quase não acreditei ao ver um dia desses no Late Show With Dave Letterman (canal GNT) uma performance impecável do lendário grupo de San Francisco, Califórnia, The Dead, atualmente em tournée pela "wasteland" herdada por Barack Obama de George W. Bush e Dick Cheeney -- para não mencionar Bernie Madoff e a gripe suína.

The Dead, para quem não sabe, é a lendária superbanda The Grateful Dead sem o guitarrista Jerry Garcia, que morreu há quase 15 anos -- agora com o craque da guitarra Warren Haynes (da Allman Brothers Band e do Gov't Mule) em seu lugar.

Claro que não é a mesma coisa dos tempos em que o Grateful Dead estava na ativa, até porque Jerry era um grande alquimista musical, um dos melhores que a América já produziu.

Mas o segundo guitarrista do Dead, Bob Weir, por sua vez, sempre esteve longe de ser um mero coadjuvante na banda. O baixista Phil Lesh idem. E os dois bateristas Bill Kreutzman e Mickey Hart continuam sendo uma das cozinhas mais estranhas e inusitadas da cena musical americana.

Ou seja: nada como o tempo, uma crise financeira e um pouco de LSD para que certas resistências se afrouxem, e certas reverências sejam deixadas de lado, em nome de um objetivo maior.

Vendo os integrantes sessentões do The Dead no Late Show With Dave Letterman, de volta juntos depois de um hiato de 18 anos, com suas barbas brancas e sua musicalidade resguardada, me ocorreu que não existe melhor banda cover do Grateful Dead do que eles próprios.

E isso, por si só, já é um excelente motivo para que estejam de volta à vida.

Vida longa a The Dead!



THE DEAD ao vivo no LATE SHOW WITH DAVE LETTERMAN

THE DEAD ensaiando

Sampoema (de Flávio Viegas Amoreira)


Teu ventre regurgita seres de estranheza
orgíaco encanto terra sem marcos
acampamento solidário aos lobos da estepe
poetas / fodidos/ eruditos de céu in-concreto:
campos de pivas orides fontellas panaméricanos
agripinos catadores lumpensinato estelar
vencer Sampa é perde-lhe o medo
tua geografia são seus rostos bolívares-norte-coreanos
lagos anônimos de gozo e morte
a Paulista é praia de ondas com pressa cimento
cal fétido / grana espúria : do Jaraguá vejo-te
cosmovo : Sampa é ducaralho divino esporro
único mundo donde perdi o medo: perder nu ao medo
nu era o começo indistinto agora reconheço
alamedas / janelas / quartos de estória
em cada cômodo um coito / parto / féretro
águas pútridas / córregos em transe / pirajuçaras
marginais de rios carontes refletindo desespero
de Virgilíos e Dantes : cosmoagonias :
Sampa é ducaralho azar mais sorte:
a vida não perdoa desatento transeunte
tudo-todo-rola-cada- instante; poemizosampa
navalhando névoas cinzas nuvens de estanho
ilusão paraísos consoloção liberdade jardins
oscar freires de infame exclusão marianas
ângelas leopoldinas vilas no caminho havia uma
praça trecho arremedo de troços e a praça fez-se
árvore numa igreja de enforcados insones luzes de
horas : cada habitante inapetente é uma paisagem
espreitando esconderijos dalguma memória
te esperam vãos / vales / veredas / te esperam algum
sentido : algum sentido para onde damos em alamedas
becos / beneditocalixtos / anhamgabamentos
conas / répteis / fósseis / múmias virgens
salve Sampa sodomizada / poesia pederasta oralizada:
todo-tudo-sempre é Sampa e Sampa é foda:
aqui-quase-nada / quase-nada/ nada em orgasmo
múltiplos de signos/ significados infindos
vejo estranhos que passam: eu Whitman tropicano:
garanhões / ninfetas / anjos putos/ proxenetas
risco que corro e escorro longa mirada para ser feliz
num átimo / fóton de esquina por esquina
senhas códigos berros espectros em amuradas
Davids Lynchs / Win Wenders / barras códigos estacas:
Meu cérebro é onde? : noites de autorama
Madrugafas mais darks que a escuridão do nada
Interlagos de lágrimas: engulhos esgares vômitos
Da metrópole essa meretriz viada que comigo deita
Quando esparramo-me de paisagem e realizo delírio
Por inteiro : eu sou carona de teus fetiches pesadelos
Espasmos oníricos: insights luminares / beatniks
Transmodernos / aqui Deus é Joyce , Mallarmé é seu profeta :
eu moro é na Literatura sampauleira sampaulisto
sampinferno sanparteiro de entradas
bandeiras volpianas baratas forasteiras trens sobrehumanos
traças suburbanas : trago o gole de amargura oswaldiana :
a tristeza é a prova dum 69
sou 13/ 11 / oito infinito, infinito onde o som se estreita/
andróides / zumbis / iracemas da Vieira / índios de Moema
incorporo metálico estalido dos espigões em meu rabo
e meus cornos eriçados de antenas
Sampa é zoom!!!!
Disposto o peito aberto a camisa em desalinho
Sampa me afronta com sua zona e risco
Sampa é o Ó entre brejos e bronhas :
atmosfera saída dum filme B
assassinatos chacinas negras noir
ferozes volantes / violência fashion
homens mix de mulheres
blade runners andróginos : transgêneros líricos
merda cercada de gente por todos os poros dos lados
dentro estou fora e foda-se o recheio
o borbagato me bulina / sinto a maresia baseada
no Oceano lisérgico na imagética moldada por camadas de cânhamo:
O Mar é longe / vagas de gente empoçam
castelos de areia: a multidão é sempre sociedade anônima :
cambaleio / resisto por grutas/ grotas/ gretas/
rizomas/ elevadores capengam / shoppings da babilônia:
midnights cowboys pela gay caneca
não existem pontes entre todas essa gente
viver é lançar pontes do vazio refletindo a luz do nada
muretas guaritas tiras do ouro bandeirante
nada insiste subsiste uma vista onde nunca se
encaixa ao mesmo tempo ao todo se situa
onde mora o deserto é menos só que na Augusta
a chama tupi jazz, jazz, jazz em terracota e taipa
em Sampa fiespe-se, fiespe-se ou foda-se!
Urbe orbe pulsando fênix de turbinas em chamas
Caldeiras / turbilhão : miragem do movimento
Sempre estamos onde nem supomos
Os vagões levam homens apalpando suas malas
Duras penas / diamantes em pencas chaminés de ouro
Cravejados de sapopembas e diademas
Eu canto por que minha alma não desiste
Penso, louco logo resisto!
Reconheço todas tribos
O gigante polvo capitalista não é nada perto de nosso
Espanto e grito
Cruel argamassa solitude que nos une
Artefatos / bólidos/ hélices / inversão térmica das cores
Sampa é asco que não afugenta
Náusea que me alucina
Sampa não existe : está sendo no ato:
Porra loca dum gozo carcomido
O mercado come-se : dinheiro é autofáfico
Cria é para sempre onde sempre exista
Sampa anda em mim por via estreita
Poetemos onanistas!
Abaixo arcadas cerebrais: descontruir discursos é urgente!
Façamos desse cu doce subversivo argumento.

(na foto: os escritores e artistas plásticos Paulo Pessoa Andrade e Felipe Stefani, o escritor Winner Chiu e tradutora alsaciana Gaby Kirsch, todos na saída do Ponto Chic da Paulista esquina com 13 de Maio)

Foto de Paulo Von Poser

LITORAL FM - 13 de JULHO de 2009 (com RUY DEBS)


Gino Caldato, Ruy Debs, Cecília Lopes, Chico Marques, Marcelo Rosendo

PRÓXIMO CORINGA - RUY DEBS



RUY DEBS é arquiteto e autor do livro "Artacho Jurado - Arquitetura Proibida" (Editora SENAC)

Ás Especialmente Convidado
GINO CALDATO (arquiteto)













QUATRO ASES E UM CORINGA
Segunda, dia 13 de Julho, em novo horário, 19 horas
Reprise Terça, dia 14 de Julho, 24 horas
Litoral FM, 91,9 MHz
(para ouvir online:http://www.litoral.fm.br )

Sinfonia de Navios Andantes (poema de Flávio Viegas Amoreira)



o meu coração vaga em segredo
vento que ronda forasteiro sobre o mar
canta a dor das águas no dia que não mais mourejar

meu peito
todo corpo
alma / pensamento
torna ao Oceano zarpando
sem cais rondarei / abissal de gotas condenso
navio ébrio ondeando / poeta entoarei cantos
no longe infindo onde não mais atracar

na beira do céu por ti espreitando
léguas distando de infinito a infinito
buscando / ainda terei tempo eterno
ao navegar de retorno hei de novo te achar

mais afastado tanto é o aproximar
na noite a aurora / desfio o começo

caos / cosmo : verei o princípio do mundo
fechando entre o Sangava e o Xixová
meu Éden / estirado da barra ‘a enseada
os contornos da serra adeuses onde a terra jaz
nem paragem ou porto : rochedo soluto
ou galáxia / te espero em desterro
sempre em Santos ou nenhum lugar.

[poema dedicado ao cineasta francês François Ozon,
Intérprete do sentimento marítimo do mundo.
Composto em 2009, Ano Brasil-França]

(na foto, Flávio fazendo uma leitura poética
na Casa das Rosas, na Avenida Paulista,
dia 2 de julho de 2009)

Foto de Paulo Von Poser

Wacko Jacko: Morto e Enterrado (por Chico Marques)



Eu tinha prometido a mim mesmo que não iria escrever sobre Michael Jackson. Já basta a cobertura pegajosa da Imprensa, que quando não pendeu para o fanzine puro e simples, mergulhou de cabeça na grotesqueria cotidiana do "Rei do Pop".

"Rei do Pop"?

Jackson começou a se autoadular com essa expressão portentosa no seu primeiro grande momento de baixa, quando lançou o disco "History" -- um álbum duplo de 1995, mezzo greatest hits, mezzo disco de carreira, com 14 músicas novas que ninguém conseguiu memorizar e que mal tocaram nas rádios, de tão inexpressivas que eram.

Para endossar seu "título de nobreza", armou um casamento com Lisa Marie, a filha problemática do "Rei do Rock" Elvis Presley com a excelente atriz cômica Priscilla Presley -- que, além de não ser um casamento de verdade, não era feito para durar, pois sua função era apenas fornecer a Michael Jackson estofo familiar (dos Presleys) para ser aclamado "Rei do Pop" e reinar eternamente nesse posto. Ou seja, coisa de quem viu filmes de Walt Disney em excesso. Faltava apenas a Imprensa comprar a idéia e martelar bastante até o título "Rei do Pop" cair na boca do povo.



O problema é que isso não aconteceu. Em meados dos anos 1990, a baixa de popularidade de Michael Jackson revelou-se irreversível e a sucessão de escândalos envolvendo acusações de pedofilia e outras bizarrices não só renderam a ele o desagradável apelido "Wacko Jacko", como também serviram para jogar sua imagem pública num buraco aparentemente sem fundo. Financeiro, inclusive.

Eu tinha prometido a mim mesmo que não iria escrever sobre Michael Jackson, mas o caso é que levei um tapa quando li na web, na noite em que sua morte foi anunciada, a expressão "Rei do Pop" sendo usada por quase todos os órgãos de imprensa em uníssono. Só The New York Times não usou, preferindo o tempo "ícone pop".

Fiquei pensando na ironia assustadora por trás disso, e no fato inquestionável de que a morte fez muito bem a Michael Jackson, pois, assim que foi declarado morto, sua carreira ressuscitou, seus discos voltaram a ser fenômenos de vendagem no mundo inteiro, tudo foi esquecido, tudo foi perdoado, e agora até as crianças podem se encantar com a figura do 'Rei do Pop" sem medo de uma "contrapartida afetiva inadequada" dele.


"Rei do Pop"?

É inegável que, sem a ajuda inestimável do genial maestro, arranjador e produtor Quincy Jones, Michael Jackson jamais conseguiria deixar de ser um artista do segundo time da soul music da Motown para assumir um posto no Olimpo Pop. Quincy mostrou a Michael o caminho das pedras e explorou todas as possibilidades mercadologicamente viáveis que ele tinha para oferecer. Deu no que deu.

O primeiro disco de Michael Jackson sob a tutela de Quincy, 'Off The Wall", ainda guardava ligações estreitas com a herança da música negra da Motown, mas de 'Thriller" em diante essa herança se dissipou em meio a todas as tendencias musicais em voga no início dos anos 80, resultando num produto pop absoluto, que não tinha mais cor ou origem, e que estava voltado para um alvo muito amplo e abrangente -- que, para surpresa de muitos, terminou atingido de forma plena e absoluta.

Claro que, assim que Quincy Jones se desvinculou de seu papel de produtor, o declínio de MIchael Jackson foi inevitável. Seus discos ficaram tão pálidos quanto sua pele, e sua insistência em se afirmar como compositor -- a partir de "Bad" -- só serviu para revelar ao público onde seu talento falhava, e de forma gritante.



Enfim, foi melhor para Michael Jackson sair de cena assim, sem aviso prévio.

Se embarcasse nessa sequência de 50 shows caça-níqueis em Londres, certamente teria sido acompanhado passo a passo pelos implacáveis tablóides britânicos, incomplacentes com suas esquisitices infantilóides, suas idiossincrasias sexuais e seus mais que prováveis acessos diários de estrelismo -- além, é claro, das inevitáveis bizarrices.

Pois agora acabou: "Wacko Jacko" está morto e enterrado.

Já Michael Jackson, o "Rei do Pop" -- com ou sem aspas --, permanece. Sabe-se lá até quando.

LITORAL FM - 6 de JULHO de 2009 (com GILSON DE MELO BARROS)


Marcelo Rosendo, Gilson de Melo Barros, Chico Marques, Flávio Amoreira e Armando Catunda